Para Rafael Souto, ausência de estímulo às conexões pode explicar a falta de inovação nas empresas. O RH deve agir
Em um mundo em rápida transformação, a capacidade de inovar é fundamental. Não à toa, vemos tantas iniciativas corporativas para fomentá-la – dos escritórios coloridos com mesas de pingue-pongue e pufes à criação de áreas de inovação, altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, parcerias com startups e seus conhecidos “Innovation Days”.
Mas falta olhar com mais atenção para dois elementos essenciais: as pessoas e o novo modelo de trabalho.
Uma pesquisa recente feita pela Deloitte em 95 países, com 14 mil empresas e entrevistas com 1 mil executivos e líderes de conselhos de administração, em parceria com a Oxford Economics, mostra que apesar de 73% das companhias reconhecerem a importância da criatividade, apenas 37% a cultivam.
Parte da falta de inovação está na adoção do modelo de trabalho híbrido, segundo alguns estudos. Uma análise global feita pelos professores Yiling Lin e Lingfei Wu, da Universidade de Pittsburgh, e Carl Benedikt Frey, de Oxford, aponta que o trabalho remoto pode reduzir a capacidade de inovar.
Recentemente, até o CEO da Nike, John Donahoe, culpou o home office pela falta de ideias inovadoras na empresa. No entanto, ele esqueceu de um ponto: é preciso pensar na inovação tendo como base a nova dinâmica corporativa. Até porque, não há volta – e, sem a flexibilidade, a chance de perder talentos é grande. Sem eles, não há inovação.
Isso exige que as empresas estabeleçam novos processos e iniciativas para combater a falta de inovação. O primeiro passo é ter uma cultura organizacional voltada à experimentação, autonomia e liberdade. Nesse sentido, o papel da liderança é fundamental.
Os gestores devem fugir do microgerenciamento e incentivar os funcionários a perguntar e explorar ideias, sem medo de desafiar o status quo; e devem fornecer tempo e ações para a criatividade. Contar com um modelo operacional baseado em OKRs, em que os times sabem a direção da companhia e têm autonomia para pensar nas soluções, também ajuda.
Tendo essa base, o RH deve atuar como um gerador de conexões. Isso quer dizer incentivar encontros presenciais para debater temas e promover a colaboração, envolvendo times de áreas diferentes. A lógica de pensar em dias presenciais divididos por setores ou projetos, não ajuda em nada a inovação.
Por conta do trabalho a distância, escuto muitos profissionais dizerem que não conhecem pessoas de outras equipes ou que a ida ao escritório é apenas para alinhar projetos específicos. O networking interno é essencial para inovação. Elaborar rituais direcionados a troca de ideias e experiências com a participação de setores distintos, e até de especialistas e empresas de outros setores, pode fomentar a criatividade.
Tão importante quanto isso é estimular o repertório das pessoas, dando liberdade para novas formas de aprendizagem e conexões. Além de estabelecer agendas de brainstorming, é fundamental dar pausas para as pessoas trabalharem em seus próprios projetos criativos e incentivar a prática de atividades fora do escopo de trabalho.
Como bem diz Luiz Serafim, diretor-executivo da World Creativity Day, que atuou por 30 anos na 3M, parte da criatividade é combinação e associação.
A liberdade também precisa permear a construção da trajetória profissional.
Uma boa prática nesse sentido é a carreira em nuvem, entendida como um conjunto de experiências significativas e não mais uma sucessão vertical de cargos. Na prática, o indivíduo pode contribuir em atividades que fazem sentido para seu projeto de carreira e vida.
Esse desenho organizacional mais fluido é a base para inovar nos novos tempos.