Para a Today, Matthias Wegener escreve sobre as transformações no conceito de um bom ambiente de trabalho
Ser considerada uma das melhores empresas para se trabalhar é motivo de muito orgulho a todos em uma empresa. Afinal, é a confirmação de que o trabalho que está sendo feito pelas lideranças e pelo RH em prol das pessoas está indo no caminho certo.
Mais do que só atestar a satisfação das pessoas com o trabalho, um reconhecimento deste pode se tornar um imã para atração de novos talentos e novos parceiros comerciais, por exemplo.
Mas a verdade é que os fatores que tornam uma empresa um excelente lugar para se trabalhar mudam. E mudam por vários motivos diferentes, principalmente devido a mudanças nas próprias pessoas.
Alguns fatores importantes nesta equação são certamente a idade, decisões de investimento ou o nascimento de um filho, por exemplo. Já outras mudanças ocorrem devido a movimentos da economia, política e até fatores incontroláveis por nós seres humanos, como foi o caso da pandemia. Todos estes aspectos podem alterar a forma como uma pessoa vê o mundo e também podem mudar o significado do trabalho para cada um de nós.
Para entender como os CHROs enxergam estas mudanças, perguntamos na pesquisa conduzida pela Think Work na virada do ano sobre os Desafios do RH em 2023 quais os principais fatores para tornar uma empresa um excelente lugar para se trabalhar na atualidade.
A lista nos trouxe alguns insights importantes.
No primeiro lugar, para um pouco mais de 50% dos respondentes, ficou o clima organizacional. E não há nada mais esperado do que isto mesmo. Afinal, é ele que vai trazer a percepção das pessoas sobre o que está ou não funcionando na empresa no momento, o que de fato deve ser o principal indicador quando falamos de um bom ambiente de trabalho.
E, não à toa, este é o principal indicador usado pelas consultorias que montam os rankings de Melhores Empresas. Mas há um ponto de atenção aqui. Vale destacar que os indicadores mínimos de clima organizacional usados pelas metodologias para certificar as empresas de destaque giram em torno de 70 a 75 pontos, o que de fato atesta um nível mínimo de qualidade do ambiente de trabalho, mas não reflete um padrão que possa de fato ser chamado de patamar de excelência.
O reflexo de se usar estes indicadores – que podem ser considerados medianos quando falamos de uma nota de clima para uma empresa como um todo – é que temos hoje no Brasil literalmente milhares de empresas tidas como uma das ‘melhores para se trabalhar’.
E, como tudo na vida, quando tudo é considerado muito bom, é bom desconfiar. Por isso, concordo que este deva ser o principal fator considerado nesta avaliação, mas é preciso ter cuidado para não se acomodar com a simples certificação em clima organizacional.
As oportunidades de desenvolvimento apareceram logo na sequência, escolhidas por 43% dos RHs. De fato, boas opções de aprendizagem e desenvolvimento são historicamente importantes fatores de atração e retenção no Brasil, principalmente quando pensamos em funcionários mais jovens.
As oportunidades de desenvolvimento apareceram empatadas em segundo lugar entre os principais fatores de retenção na pesquisa que fizemos sobre o Momento Profissional entre todas as idades (24%) e em primeiro lugar quando olhamos apenas as pessoas com até 28 anos (32%).
Vale destacar ainda alguns temas que ganharam maior relevância nos últimos anos quando falamos de gestão de pessoas e que são pouco explorados pelas metodologias que definem os rankings de Melhores Empresas, mas que já são vistos por um percentual relevante de CHROs como fatores importantes nesta equação.
É o caso das experiências proporcionadas aos funcionários (employee experience) e da atenção à saúde mental. Ambos os temas cresceram pela necessidade de se ter um olhar mais crítico para o que a empresa está oferecendo para os funcionários no dia a dia e qual o reflexo do trabalho na vida das pessoas como um todo. Por isso, nada mais justo do que dar um peso maior a estes tópicos.
O aspecto em que há maior descompasso no momento entre a visão das pessoas e da empresa no momento a meu ver, porém, parece ser a estabilidade e segurança no emprego.
Poucos foram os CHROs que indicaram a estabilidade no trabalho como um dos fatores mais importantes para uma empresa ser considerada uma boa empresa para se trabalhar (10%). E talvez eles tenham até razão. Afinal, as companhias têm como principal função alcançar seus objetivos estratégicos e de negócio. E, às vezes, algumas decisões mais drásticas precisam ser tomadas.
Mas não há como negar que o tema da estabilidade no emprego está precisando de um pouco mais de atenção, não é?! Diariamente lemos matérias sobre demissões em massa em empresas de diversos setores, principalmente de tecnologia. E, não à toa, isto gera uma insegurança nas pessoas.
Resgatando mais uma vez um dado captado na pesquisa da Think Work sobre Momento Profissional, chama a atenção o fato de 24% das pessoas terem assinalado a estabilidade como um dos três principais fatores de retenção em suas empresas, mostrando que há um certo receio perante o que vem acontecendo no mercado já há alguns meses.
O recado é: melhor ficar aqui com o que tenho agora do que procurar outra coisa e correr riscos lá fora. Para se ter uma ideia, este patamar é próximo ou até superior ao que até pouco tempo era visto em pesquisas como esta apenas em instituições públicas, setor que notoriamente é reconhecido por um público mais orientado à estabilidade.
Também esperava ver um percentual maior de respostas nas opções ‘tratamento justo e igualitário aos funcionários’ (7º mais escolhido) e ‘distribuição de renda em maior nível de igualdade entre os funcionários’ (17º mais escolhido). Ambos são componentes importantes dentro do chamado “capitalismo consciente”, vertente que já coleciona uma série de empresas adeptas fora do Brasil, mas que parece não estar muito em pauta por aqui ainda.
A mensagem que quero deixar com este artigo é: ser considerada uma excelente empresa para se trabalhar é algo muito importante tanto para o ego e a retenção de quem está lá dentro, quanto para a atração de novos funcionários e negócios do lado de fora. Mas é necessário se manter em constante evolução para não perder o bonde daqueles que estão inovando na gestão de pessoas. E parece que os RHs estão cientes disto.
Mas, do outro lado, também não podemos deixar a peteca cair em aspectos básicos e primordiais para a vida do ser humano moderno, como a remuneração, a estabilidade e a percepção de justiça no trabalho. E, parece que alguns destes pontos estão ficando pelo caminho, então precisamos olhar pelo retrovisor para não os perder de vista. Se não, a viagem de volta para resgatá-los no futuro pode se mostrar mais árdua do que estamos prevendo.