Ninguém faz nada sozinho

Para a Today, Marcelo Cardoso escreve sobre a importância de reconhecer os méritos de toda a equipe, não apenas dos líderes

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Babe Ruth foi um grande herói do baseball norte americano da primeira metade do século XX. Para muitos, o maior jogador de todos os tempos, detentor de vários recordes e premiações ao longo da sua carreira.

Curiosamente, uma das suas frases mais conhecidas não enaltece o esforço do atleta, a disciplina individual para treinar, e nem mesmo o talento: “A maneira como uma equipe joga como um todo determina seu sucesso. Você pode ter o maior grupo de estrelas individuais do mundo, mas se elas não jogarem juntas, o time não valerá um centavo.”

O trabalho em organizações, assim como no esporte coletivo, acontece no domínio da complexidade, em que a despeito de um conjunto de regras e combinados estruturantes, as interações são emergentes e seus desdobramentos possíveis beiram ao infinito. Ninguém controla ou resolve as coisas sozinho num contexto complexo! 

Por muito tempo acreditou-se que a melhor abordagem para a gestão organizacional era através de uma cadeia de comando e hierarquia similar ao que ocorria nas ordens militares do passado. Um grupo pequeno de “jogadores” movia as “peças” no tabuleiro estratégico. Esse tipo de pensamento permeou a noção de que os negócios eram uma arena de campeões individuais. Se o executivo era um peão, uma torre ou um bispo, não importava, ele emularia a postura do rei, na expectativa de se aproximar cada vez mais de sua posição.

E assim, configuraram-se as práticas de incentivo e valorização do rendimento individual que ainda persistem em muitas empresas. Hoje, práticas como bônus individual, prêmios para CEOs, rankings de executivos do ano, lista da Forbes, gestores de RHs mais admirados ─ todas essas manifestações que tentam enaltecer e destacar indivíduos como heróis de uma organização ─ são anacronismos que beiram à insensatez! 

Antes da era digital, essa mentalidade até podia dar algum resultado, uma vez que a velocidade e a quantidade de ramificações do trabalho eram analogicamente limitadas e limitantes. As coisas eram complicadas, mas menos complexas… era possível que poucos gestores, com capacidade analítica necessária e alguns dons de liderança pudessem “influenciar a máquina” para que as coisas acontecessem numa determinada direção. 

Mas cerca de 30 anos atrás essa história começou a mudar, e rápido. A tecnologia da informação fez com que o tempo entre ação e impacto se tornasse cada vez mais curto, em um número exponencial de interações acontecendo simultaneamente, gerando uma complexidade muito além da capacidade de indivíduos sozinhos (mesmo com toda tecnologia disponível) controlarem o jogo.

Hoje, para se jogar bem o jogo organizacional, é preciso um time afinado, capaz de improvisar e mudar rapidamente de direção quando necessário, que planeja, executa, aprende e reflete sobre a ação conjuntamente, que distribui influência e poder de decisão e é capaz de cocriar soluções excepcionais unindo diversidade de perspectivas. A capacidade das organizações de ler corretamente o contexto rapidamente e responder de maneira adequada está diretamente ligada à inteligência coletiva.

E, no entanto… por que ainda premiamos indivíduos por sua liderança quando todas as evidências mostram que o que realmente produz valor é o esforço coletivo?

O incentivo que premia apenas a performance individual pelos resultados que são coletivos joga contra a realidade da gestão, e, ouso dizer, que esta discrepância é uma das causas do desencanto das pessoas com o trabalho em organizações, do desengajamento, de movimentos como quiet quitting, do burnout e dos ambientes de trabalho inóspitos que ocasionam doenças mentais. Você é capaz de mensurar o quão nocivo pode ser premiar um líder isoladamente depois do esforço conjunto de um grupo afinado? Que tipo de incentivo uma mensagem como essa pode oferecer?

Precisamos mudar estes mecanismos começando a valorizar mais a capacidade de times funcionarem coletivamente para gerar o resultado. O protagonismo individual é importante ainda, sobretudo quando dedicado ao esforço de autodesenvolvimento, o caminho interior de autoconhecimento em busca do desapego dos mandatos do ego, que minam a performance individual e o resultado do time. 

O indivíduo que se trabalha para estar à serviço do time oferece muito mais valor para o resultado coletivo do que um líder para se idolatrar.

Quando o indivíduo abdica da auto importância para servir ao todo, é que a sua melhor contribuição individual acontece, e é assim que a frase de Phil Jackson (outro famoso esportista norte americano) ganha verdadeiro sentido: “A força da equipe é cada membro individual. A força de cada membro é a equipe.” 

<strong>Marcelo Cardoso</strong>
Marcelo Cardoso

Executivo com mais de 25 anos de experiência, tendo ocupado diversas posições em companhias de variados segmentos e países. É fundador e integrador da Chie.

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