Há espaço para retenção de pessoas no futuro do trabalho?

Patrick Schneider, pesquisador do futuro do trabalho, questiona a prática de retenção de talentos nas organizações

Logo Today

Ao longo de mais de duas décadas na área de Recursos Humanos, muitas vezes ouvi que os processos-chave na estratégia do setor eram atrair, desenvolver e reter talentos. Durante muito tempo, esses conceitos fizeram total sentido para mim e os apliquei sem questionamentos.

No entanto, nos últimos anos, comecei a questionar se eu mesmo gostaria de ser “retido” em uma empresa. Talvez por esse motivo, nunca dependi dos investimentos em desenvolvimento das empresas pelas quais passei. Muitas vezes, para obter um subsídio educacional, seria necessário permanecer vinculado à empresa por 12 ou 24 meses, o que me parecia arriscado.

Se pensarmos no contexto atual, quem gostaria de ser “retido” em uma empresa?

Atuando como pesquisador sobre a temática do futuro do trabalho, percebo cada vez menos espaço para conceitos tradicionais de retenção de talentos. Por isso, tenho afirmado reiteradamente que a retenção tornou-se um indicador de restrição, e não de organizações dinâmicas e inovadoras.
Em uma sociedade cada vez mais dinâmica e fluida, a ideia de alguém renunciar à sua liberdade em troca de uma “algema de ouro”, seja na forma de um bônus, um aumento salarial ou uma mudança significativa no pacote de benefícios, parece cada vez menos convincente para aqueles que decidem encerrar seu contrato de trabalho.

E o gestor que se vê com uma equipe reduzida que lute para preencher a posição em tempo recorde.

Invariavelmente, o caso da Zappos vem à mente, onde, após um ano de trabalho, os gestores oferecem um valor significativo para o profissional deixar a empresa. Se ele optar por ficar, isso se torna o melhor teste de engajamento que a empresa precisa para manter suas equipes.

Cada vez mais, os ambientes de trabalho precisam estar alinhados com os valores de seus profissionais, e não o contrário, como foi pregado por décadas no mercado de trabalho.

As expectativas dos profissionais começaram a se sobrepor ao que a organização espera de suas equipes. Talvez o maior exemplo disso seja a evolução da agenda de sustentabilidade (ESG), diversidade, equidade e inclusão (DEI) e o compromisso social das organizações nas comunidades onde atuam ou impactam através de seu processo produtivo.

Conforme fui percebendo essa mudança, comecei a compor as estratégias de RH que propus nas empresas por onde passei, focando em “reter conhecimento” e “sustentar os talentos mais qualificados”, como alternativa à retenção de pessoas a qualquer custo.

Parece-me mais apropriado que os profissionais voltem ao início de cada novo dia por iniciativa própria, e não por esforço organizacional, seja ele com promessas ou com restrições financeiras constrangedoras para o “retentor” ou para o “retido”.

A sustentação de talentos ou a sustentabilidade de talentos dentro da organização me passa uma ideia muito mais fluida, com um ambiente de troca e cuidado, no qual a experiência do profissional é tão positiva que ele deseja retornar no dia seguinte e continuar seu contrato de trabalho.

A retenção do conhecimento dentro da empresa, sim, parece-me apropriado que seja perseguida incansavelmente e que existam processos robustos para garantir que a dependência humana seja a menor possível. Independentemente da velocidade com que as carreiras se desenvolvam dentro da empresa, a função desempenhada em uma determinada posição deve fluir naturalmente, não importando quem seja a pessoa a executar o papel dentro da empresa.

Mudar um conceito tão arraigado e banalizado como a retenção de talentos é, sem dúvida, um desafio enorme, mesmo quando as empresas são pressionadas a manter indicadores de rotatividade controlados.

Quando consideramos diferentes gerações atuando juntas dentro de um mesmo ecossistema, torna-se ainda mais complexo imaginar que processos de retenção baseados em remuneração sejam eficazes.

Em uma das vertentes do futuro do trabalho, analisa-se o papel da Gig Economy, onde profissionais buscam não mais se vincular definitivamente a uma única marca ou área de atuação. Dentro deste universo, é vital pensar na fluidez de começar a segunda-feira atuando em um projeto dentro de uma indústria farmacêutica e terminar a semana no agronegócio. Como uma carreira fluida poderia permitir uma retenção objetiva para profissionais que navegam em diferentes segmentos dentro de uma semana de quatro dias ou menos?

Este cenário nos desafia, enquanto profissionais de recursos humanos, a mergulhar na sociedade contemporânea e compreender que esta não é uma aspiração exclusiva de uma geração de nativos digitais, mas, sim, de uma parcela significativa da sociedade organizada que experimentou algo novo entre os anos de 2020 e 2024 e gostaria de perpetuar essa forma de se relacionar com o trabalho.

Acredito firmemente neste tipo de ressignificação da função do trabalho em nossas vidas. Como pesquisador do tema, percebo cada vez mais que temos caminhos a serem explorados como profissionais, em ambientes que talvez ainda não tenhamos claramente definido o que é possível considerar como trabalho.

Portanto, compreender este universo de possibilidades permite estreitar os laços entre o que se deseja (profissional) e o que se necessita (empresas), buscando um alinhamento de vontades e trocando tempo de vida por remuneração de maneira muito mais equitativa e valorativa para ambos os lados.

Se considerarmos todas as possibilidades que o mundo pós-pandêmico nos oferece, poderíamos vislumbrar profissionais alcançando um nível de liberdade de atuação nunca antes experimentado, e organizações atingindo um patamar de talentos igualmente inédito.

Para que essa dinâmica possa fluir de maneira sustentável, é necessário compreender que o aprendizado contínuo (lifelong learning) não é mais um termo distante ou um modismo no LinkedIn. Do lado das organizações, é preciso perceber que o trabalho presencial é uma alternativa para aqueles que realmente desejam o contato com outras pessoas.

Ao derrubarmos essas fronteiras preliminares, talvez estejamos diante de um novo paradigma do trabalho, caminhando a passos largos para um horizonte onde o “futuro do trabalho” seja algo realmente novo e não apenas uma repetição de estágios anteriormente experimentados por todos. Hoje, ao experimentarmos os grandes engarrafamentos nas metrópoles mais populosas, sentimos um gosto amargo de retrocesso.

Na verdade, essa é a única retenção bem-sucedida experimentada nos tempos atuais: a do paradigma do trabalho.

Patrick Schneider

Executivo de RH, escritor e pesquisador na temática futuro do trabalho.

logo-today
Sua conexão com os principais RHs do país. Assine grátis

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.