Do fato ao ato: a diferença entre diversidade e inclusão

Inclusão, mais que diversidade, demanda intenção e ação: se pessoas com deficiência têm menos da metade das chances de conseguir um emprego que uma pessoa sem deficiência, significa que as organizações ainda estão despreparadas, e não o contrário

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O que distingue diversidade de inclusão? Como sugere o bordão de diversos movimentos sociais, podemos resumir que a primeira é um fato e a segunda, um ato.

Diversidade significa compreender que há uma infinidade de modos de ser. Cada pessoa é composta por diversas características, algumas mais estáveis, outras que se transformam durante a vida. Assim, temos diversidade na cor da pele, nos apaixonamentos por outrem, em cada parte de nosso corpo e na forma como essas partes nos definem. 

Temos diversidade na nossa história pessoal (cada qual tem a sua, definida pelo olhar individual) e em nossa história coletiva, influenciada pelo tempo em que vivemos, pela sociedade que nos cerca, pelas condições ambientais e pelo desenvolvimento tecnológico, entre outros fatores.

A psicologia da diversidade

No entanto, o ser humano desenvolveu um processo mental que cria uma ilusão de igualdade. Para criar essa ilusão, o nosso cérebro usa os processos de comparar, classificar e generalizar. Comparamos os elementos de uma situação atual àqueles que temos classificados em nossa memória, agrupados e nomeados a partir de generalizações

Generalizar é igualar tudo o que tem uma mesma característica. Assim, mesmo que uma maçã seja diferente da outra, uma mais vermelha, outra mais arredondada etc., classificamos a todas como maçãs. Esse processo permite igualar a classe maçã de nossa memória com uma que esteja em nossa frente, ao mesmo tempo que podemos distingui-la de uma laranja.

Adjacente ao processo de comparar, classificar e generalizar está o de objetificar. Objetificar é fruto da nossa vontade de tornar o que é distinto de nós em um objeto, que pode ser utilizado ou descartado. Objetificar é tirar a humanidade de algo e tratá-lo como coisa.

O perigo da discriminação

O fenômeno psíquico então se dá em quatro etapas: comparação, classificação, generalização e objetificação. Em nossa construção social, esse processo tornou-se a origem e o possibilitador de muitos males, em especial o preconceito.

Tal fenômeno foi usurpado por nosso narcisismo para criar a crença de que algumas pessoas são humanas, enquanto outras são objetos, garantindo assim mais oportunidades a essas primeiras. Estabelecidas culturalmente como verdades, tais generalizações tornaram-se, então, parte de um anacronismo perigoso, incompatível com os princípios democráticos e igualitários nos quais buscamos viver.

A situação chegou a tal absurdo que o óbvio precisou ser gritado: “Somos Diversidade”. É predicado básico da espécie humana: cada um do seu jeito.

Cada um com sua identidade, fazendo parte de muitos grupos diferentes que compartilham determinadas características (sou minha cor, meu gênero, minha escolaridade, minha profissão, minhas particularidades corporais, minha idade etc.). Pertenço a cada um de meus grupos, mas a interseção de todos esses grupos é única. Sou eu!

Inclusão demanda intenção

No entanto, constatar o fato não é o bastante. É preciso passar ao ato, como sociedade, para retomar nosso direito à diversidade. E essa ação tem um nome: inclusão. Incluir significa sair do automatismo daquele processo psíquico generalizante e agir conscientemente em nome dos direitos humanos. Incluir é descoisificar.

Perceba que esse movimento precisa, portanto, ser feito por aqueles que coisificam – conscientemente ou não. Incluir é responsabilidade de todo mundo, e não apenas de quem foi objetificado. O conceito de inclusão se afirma como mudança social: deve sair da objetificação de quem é diferente e rumar para a responsabilização de todos na luta pela equidade.

Durante o século XX, esse século acentuadamente marcado pelo individualismo, a cada um cabia o esforço de se integrar à sociedade. O problema dos negros era dos negros; o das mulheres dizia respeito a elas; pessoas com deficiência que se virassem. No paradigma inclusivo, o jogo se inverte: é papel da sociedade modificar-se para que toda pessoa possa estar dentro dela, a partir da eliminação das barreiras para a cidadania.

Do fato ao ato

Por exemplo, se os dados do IBGE nos dizem que o analfabetismo entre pessoas negras é duas vezes maior que entre brancas, é necessário pensar em políticas educacionais específicas para diminuir essa lacuna. Se, em 2023, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública assinalou o maior índice já registrado de assédios de todos os tipos contra mulheres, cabe às lideranças das organizações combater o machismo que causa tal situação.

Se a última Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) aponta que pessoas com deficiência têm menos da metade das chances de conseguir um emprego que uma pessoa sem deficiência, na lógica inclusiva, isso significa que as organizações ainda não se prepararam adequadamente para empregar uma pessoa com deficiência, e não o contrário. São elas que o devem fazer.

Do ponto de vista prático, para as organizações, significa criar ações afirmativas, sensibilizar as equipes e lideranças, mudar as culturas e comunicações organizacionais, possibilitando o acolhimento da diferença, ao invés de sua negação. Admitir o fato – Somos Diversidade – e passar ao ato – Incluir já!

Augusto Galery, colunista

Augusto Galery

Professor e pesquisador em Psicologia Social e Sociedade Inclusiva.

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