Rafael Souto escreve, para a Today, sobre como fenômenos como o conscious quitting impactam a atração e retenção das empresas
A complexidade, a incerteza e a ambiguidade que marcam a realidade atual têm exigido dos profissionais uma série de competências cognitivas, sociais e emocionais para seguir avançando na carreira.
O mais recente relatório sobre o futuro do trabalho, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, destacou habilidades que devem ganhar ainda mais força nos próximos cinco anos, segundo entrevistas feitas com empregadores.
Num mundo em que a adoção da inteligência artificial ganha força, os humanos com pensamento analítico, capacidade de inovação, aprendizagem contínua, senso crítico aguçado e criatividade serão os mais disputados pelas empresas. Em terra de robôs, será preciso algo mais para se destacar.
Sob o risco de perder o posto para a automação, os indivíduos precisam investir na capacidade de aprendizagem contínua, assumindo as rédeas de seu desenvolvimento, buscando apoio, explorando recursos oferecidos pela empresa, trilhando o caminho com mais autonomia.
Esse perfil profissional assume uma identidade mais crítica e propositiva. São indivíduos que tendem a estar mais atentos às eventuais incongruências entre o que uma empresa prega e o que faz. Não compram mais a velha retórica corporativa, nem se iludem com boas técnicas de storytelling. Querem vivenciar o discurso da organização na prática e doar sua força de trabalho para empresas com impacto positivo na sociedade.
Este é um dos achados de uma pesquisa recente realizada pelo ex-CEO da Unilever, Paul Polman, defensor do capitalismo consciente e autor do livro “Impacto Positivo- Como empresas corajosas prosperam dando mais do que tiram”.
O estudo 2023 Net Positive Barometer avaliou as expectativas e atitudes dos funcionários em relação ao impacto das empresas no mundo. Dos 4 mil respondentes – entre profissionais dos Estados Unidos e do Reino Unido -, cerca de metade consideraria pedir demissão se os seus valores não estivessem alinhados aos do negócio. Um terço dos entrevistados disse que esse já foi, inclusive, motivo para deixar uma organização.
Entre profissionais da geração Z, o índice é ainda maior: 49% dos jovens do Reino Unido e 40% dos norte-americanos já pediram demissão por falta de alinhamento com valores e práticas de empresas.
Esses números mostram que valores e impacto positivo da organização no mundo são poderosos ativos de atração e retenção de talentos. Segundo Polman, do fenômeno quiet quitting, a demissão silenciosa, partimos para o conscious quitting: a saída consciente.
É claro que os trabalhadores continuam querendo melhores salários e flexibilidade. O ponto aqui é o risco de uma visão reducionista de um profissional. É preciso ir além do que já deveria ser óbvio. Há algum tempo, compartilho a abordagem do pesquisador e professor Mark Savickas sobre life-design. Nela, a gestão da vida pessoal e profissional está conectada a valores, interesses e habilidades.
A vida e o trabalho estão intrinsecamente ligados, sendo inseparáveis do contexto que nos cerca. Conforme colocado por Polman, estamos imersos em um mundo pós-pandêmico, marcado por eventos climáticos extremos, guerras e desigualdade abundante. Isso torna ainda mais importante que as organizações busquem alcançar um impacto positivo significativo em suas comunidades, agindo com mais ambição e propósito nessa jornada.
Quanto mais os profissionais se desenvolvem na carreira e adquirirem justamente as habilidades citadas no começo do artigo, menor a chance de se ligarem a organizações (e líderes) desconectados da realidade e das transformações. Estamos numa nova era do trabalho e de investimentos mais responsáveis. Manter altos padrões ESG, medindo sustentabilidade e impacto ético, reduz o perfil de risco da empresa e aumenta o poder de atração e retenção dos novos talentos.