“Sem diversidade, as ações de inovação perdem alcance, ficam limitadas”

Segundo Alessandra Morrison, ex-líder de RH de diversas empresas e conselheira e mentora de executivos, a diversidade é essencial para companhias que buscam a inovação

Mesmo impactadas por problemas estruturais e dificuldades diversas, inerentes ao cenário corporativo brasileiro, as empresas nacionais também buscam se manter competitivas no mercado interno e externo, e para isso, muitas mantêm o ímpeto pela inovação dentro de suas estruturas.

Mas até que ponto elas são capazes de promover essa disrupção perante o cenário que se apresenta? Quais são os principais desafios encontrados pelas companhias que tentam estar a frente em seus mercados seja a nível de produtos e serviços ou de processos e governança?

Em entrevista exclusiva à Think Work, Alessandra Morrison, ex-líder de RH em empresas como Kimberly Clark, Johnson & Johnson e Natura e jurada do prêmio Think Work Flash Innovations 2022, fala sobre o nível de inovação da gestão de pessoas no Brasil e sobre os maiores desafios para as empresas que buscam a disrupção em seus mercados e processos internos. 

Think Work: Na sua opinião, qual o maior obstáculo para as empresas que querem criar uma cultura de inovação em seus quadros?

Alessandra Morrison: Existem muitos desafios, que muitas vezes são bem específicos de uma empresa ou outra. Por exemplo, em uma organização em que atuei, identificamos que para evoluir na agenda estratégica, precisávamos de uma cultura que viabilizasse a inovação.

Então um dos principais insights que tivemos ao rodar nosso diagnóstico interno foi que a empresa necessitava de mais diversidade entre as equipes para atingir o nível de disrupção desejado. 

E esse é um problema bem comum, inclusive fora do Brasil. Por exemplo, o case do desenvolvimento do Apple Watch e a primeira versão do app de saúde da empresa, que inclusive repercutiu muito na imprensa dos Estados Unidos. O que aconteceu é que ao desenvolver o app, a companhia não considerou alguns aspectos relevantes do ciclo menstrual da mulher, o que causava leituras e alertas equivocados do software. E tudo isso por que? Porque ficou evidente que todo o projeto foi desenvolvido apenas por homens.  

E esse é só mais um exemplo do quanto é importante a diversidade para processos de inovação. Sem ela, são ações vazias, limitadas.

Ter pessoas de todas as classes sociais, interesses, até de origens geográficas distintas, fomenta discussões diferentes e traz uma possibilidade muito maior daquela iniciativa disruptiva impactar o público de uma forma positiva.

Think Work: Como você avalia o nível atual de inovação do RH nas empresas brasileiras?

Alessandra Morrison: Eu acredito que o RH acaba sendo refém da agenda maior da organização, como todas as áreas. Por exemplo, se você tem que digitalizar um processo que vai trazer mais agilidade para uma ação, você vai priorizar a iniciativa que tem interface direta com o cliente ou uma relativa à gestão de pessoas, voltada ao público interno?

Mas olhando mais a fundo, inclusive a partir das percepções que tive no prêmio Think Work Flash Innovations, vejo empresas recém saídas de uma pandemia, e que durante esse tempo tiveram que focar exclusivamente na sustentabilidade do negócio. Então se trata de uma agenda muito de crise mesmo, pragmática, que ainda está começando a buscar caminhos para poder reajustar as práticas de RH ao novo momento do mercado. 

Assim, apesar de existirem iniciativas que se destacam, não encontro uma vinculação clara dos projetos com uma estratégia maior de gestão de pessoas e da organização como um todo. 

Não vejo inovações de fato disruptivas, ou seja, nada que já não esteja sendo feito no mercado internacional, por exemplo. Além de tudo, vejo muito pouca sustentação por dados sobre as motivações e resultados das iniciativas.

Outro ponto que sinto falta é a transversalidade dos projetos, ou seja, projetos que transponham as barreiras do RH e se apliquem a outras áreas.

Think Work: Muitos falam sobre a inovação no modelo de gestão como uma das principais prioridades para as empresas. Você concorda?

Alessandra Morrison: Com certeza. Na verdade eu já vejo certa mudança nesse sentido, até pelo uso de metodologias como o agile, vejo as decisões sendo tomadas de forma muito mais horizontalizada e autônoma, o que passa por um preceito fundamental que é a confiança. 

A evolução desse conceito de comando e controle para um modelo de empoderamento dos funcionários causa muita insegurança na liderança, devido à mudança muito brusca no papel do líder. 

Ele deixa de ser aquela pessoa que diz o que os outros têm que fazer para ser um facilitador, que está disponível quando os profissionais têm algum desafio especial, quando precisam de uma mentoria ou algo assim. Mas a tomada de decisão no direcionamento do trabalho vem sendo feita por um time multifuncional e isso pode ser uma mudança de mindset complicada para os gestores.

Mesmo assim, ainda vejo muitos desafios, entre eles a cultura de dados, que precisa ser muito presente para que exista a confiança necessária para que a organização opere mais horizontalmente. 

A própria estrutura hierárquica ainda se faz necessária em muitos momentos, como interações com o conselho ou acionistas. Então sim, já vejo mudanças importantes, mas o fato é que vivemos em uma época de transição de modelos e o ideal ainda não foi encontrado.

Think Work: O que você diria para departamentos de RH que buscam implantar esse mindset de inovação?

Alessandra Morrison: Escutem suas equipes. Com a onda do user experience, muitas empresas passaram a usar o conceito de tratar seus funcionários da mesma forma que você trataria seu consumidor. 

Claro que o relacionamento com as equipes é bem diferente, afinal são pessoas com as quais você constrói seu dia a dia, que estão sempre ali, mas tem uma similaridade para mim que é muito importante. Quando uma empresa quer melhorar seu produto ou serviço, ela busca ouvir o consumidor e entender como ele está usando seu produto, se está usando seu produto e como o cliente gostaria que ele evoluísse.

Então acho que o RH deveria ter essa mesma postura com os funcionários. Ter a iniciativa de ouvir, de conversar, de entender o que está acontecendo com eles. Qual a reação deles ao dia a dia na companhia, qual relação têm com o trabalho que estão realizando? Quais sonhos eles gostariam de realizar dentro da empresa? 

A partir daí, em um ambiente aberto à opiniões e divergências, mas cercado de segurança, os profissionais passam a ter mais confiança para abrir seus pontos e trazer a inovação para os produtos e serviços da organização. 

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