Como assegurar o compromisso com a responsabilidade social se a maioria dos CEOs desconhece a pobreza? Esse é o tema do artigo de Silene Rodrigues, diretora de RH da Adidas, para a Think Work Today
Pensando sobre a agenda ESG (meio ambiente, responsabilidade social e governanças), que está na pauta de todas as grandes empresas, não é rara a sensação de que se trata mais de marketing do que de prática. Isso porque nem sempre é possível ver com clareza os resultados das ações divulgadas e, com frequência, temos a sensação de que se trata de um plano de longuíssimo prazo – um legado para as próximas gerações.
O tema não é trivial, é verdade. E mover a agulha toma tempo e investimento. Afinal, foram séculos de exploração e degradação ambiental que não serão resolvidos em um par de anos. A natureza necessita de um período para se recompor; a sociedade, para se reorganizar. Talvez o pilar com mais apelo para agilizar o estabelecimento do ESG seja o da governança, por motivos óbvios.
Tendo dito isso, quero refletir sobre o quanto o tema compete com outras prioridades na mesa dos CEOs.
Segundo a 25ª Pesquisa Anual Global de CEOs da PwC, entre as principais ameaças percebidas pelos executivos no Brasil para 2022 estão a instabilidade macroeconômica (69%) e os riscos cibernéticos (50%). A desigualdade social (38%) e as mudanças climáticas (36%) vêm atrás.
Não é surpresa que os CEOs estejam mais engajados com assuntos que geram valor no curto prazo ou que tragam consequências nocivas para os negócios quando algo dá errado. Até porque o resultado negativo no P&L (lucros e perdas) vai impactar diretamente sua remuneração variável – que depende do bom desempenho financeiro de curto prazo da companhia.
Mas quero fazer mais uma provocação. Gostaria de falar sobre algo sensível e que também pode ser um entrave para acelerar as ações de ESG, tanto em relação ao compromisso com o meio ambiente para além das emissões de carbono, quanto para as questões sociais no país, que se mantém entre os mais desiguais do mundo.
Como convencer alguém que pertence aos 10% mais ricos do Brasil — que ganham quase 59% da renda nacional total —, que isso não está correto?
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Essa liderança, provavelmente, nunca experimentou a pobreza. Desconhece o que é não ter acesso à água potável, educação de qualidade, acessibilidade a transporte e lugares públicos, assistência à saúde, trabalho digno. A maioria dos profissionais que chega ao topo das organizações não foi julgada pela cor de sua pele, não sofreu assédio, não viveu em comunidade. A realidade “nua e crua” vivida pelo brasileiro é conhecida somente pelos noticiários e telenovelas, que vêm tentando incorporar esses temas em seu enredo.
Não se trata de culpar ninguém nem tão pouco de nivelar as condições de vida e salário por baixo. É apenas uma constatação. Aquela frase que aprendemos e repetimos — “Sei como você se sente” —, pode parecer empática, mas não deveria ser usada. Só sabe como se sente aquele que vive a situação. O máximo que nós conseguimos fazer é tentar imaginar.
Por outro lado, abandonamos uma grande oportunidade de negócio, pois essa imensidão de pessoas que fica pelo caminho são potenciais consumidores, que poderiam fazer a economia girar em outra velocidade. Embora reconheça que a responsabilidade primária por essas questões é do governo, não podemos ficar de braços cruzados.
E se as organizações estabelecessem como meta dos CEOs seus esforços para diminuir as emissões de gases de efeito estufa e a poluição de rios? Ou suas conquistas no aumento da reciclagem de materiais? Na pauta de responsabilidade social, e se seus bônus estivessem ligados à representação de gênero ou diversidade racial e étnica, à inclusão de pessoas trans, à educação dos funcionários em temas relacionados a ESG? Ou, ainda, ao apoio a comunidades? Quem sabe até doando parte de sua jornada de trabalho para se dedicar a algum projeto voluntário, em prol de uma ação que contribuísse para a melhoria da comunidade em torno da empresa?
E se todos os RHs fossem mais provocativos nesse sentido e contribuíssem para que as organizações criassem um país melhor? Quem sabe teríamos um Brasil um pouco menos desigual, um pouco mais feliz? Quem sabe, um pouco mais humano?
Excelente !
Só sabe como se sente aquele que vive a situação.
Quando alguém é muito diferente, é muito difícil para o cérebro fazer uma representação/simulação precisa de sua experiência.
É uma questão de orçamento corporal.
Seu cérebro não vai gastar energia metabólica para simular qualquer coisa que não seja relevante para o seu bem-estar. É por isso que o altruísmo é o facilitador da verdadeira compaixão.
Uma maneira de melhorar isso: exposição
Adicionando experiência ao cérebro para expandir a capacidade de prever com mais eficácia
Isso é exposição
Em outras palavras…
Adicione experiência para que seja mais relevante
Para que seja mais real para você
De Lisa Feldman Barrett