O papel da liderança pela ótica de Freud e Divertida Mente 2

Em sua estreia na Think Work Today, Carlos Netto, ex-diretor de RH do Banco do Brasil, explora a complexidade da liderança analisando os ensinamento de Freud e do filme Divertida Mente 2

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O legado do psicanalista Sigmund Freud nos convida a buscar uma verdade sobre nós mesmos. Essa verdade é transitória porque somos como o rio de Heráclito, o filósofo grego do século V a.C., que nos alertou sobre o movimento contínuo da natureza. Vivemos a dinâmica do tempo e do espaço de nossa existência, transformando-nos e sendo transformados diariamente.

As ramificações dessa ideia do universo em movimento são tão poderosas que desafiam as ilusões sobre o exercício da liderança em qualquer grupo ou situação. A liderança sempre dependerá da interação do grupo. O estilo da liderança será o resultado de fatores específicos de momentos históricos sempre singulares. É uma ilusão acreditar que existe o líder nato, aquele que nasceu com o dom da liderança, ou alguém apto ao exercício da liderança, em todo e qualquer tempo, a partir de um curso ou treinamento realizado.

Arrisco-me a dizer que a liderança é um vínculo, uma construção de valor e relacionamento, sustentada pela competência para enfrentar desafios individuais e coletivos sempre específicos. Exigirá um repertório para aquele grupo de pessoas, com as especificidades do tempo e espaço em que habitam.

Freud é, portanto, essa antiutopia da simplificação de tudo. Seu legado é um antídoto contra as ilusões de padronizar a complexidade humana. Há, por exemplo, um inconsciente que não controlamos. Ou ainda um consciente onde os controles não estão, por vezes, devidamente ajustados.

O filme “Divertida Mente 2” traz essa reflexão de forma acessível para todas as idades, sem perder de vista o emaranhado de emoções que nos constitui. Há tensão, aventura e um destino que será sempre construído em interação dentro e fora de nós mesmos. A Alegria lidera, não por acaso. A pulsão da vida oferece uma base de complementaridade e reciprocidade entre sentimentos.

A grande aventura tem bases freudianas: “Olhe para dentro, para as suas profundezas. Aprenda primeiro a se conhecer.” Nossas vivências são a tecitura e o desatar dos nós emocionais.

Assisti ao filme Divertida Mente ao lado do meu filho de 8 anos. Dele, ouvi frases como: “Você consegue!”, em diálogo com a protagonista, e “A Ansiedade é bem ruim. Ela é a vilã do filme!”, uma indicação de sua construção maniqueísta infantil do bem contra o mal. “A alegria não pode desistir”, ele exclamou, saltando da cadeira como se tivesse feito uma grande descoberta no roteiro. Seus olhos atentos me fizeram prestar mais atenção em mim mesmo, no meu filho e no roteiro do filme.

Não sei se o roteirista tinha Freud em mente, mas é bom lembrar que a ansiedade é suscitada pelo perigo constante que ameaça o ser. Ela decorre de uma pulsão que atemoriza. Essa fonte que alimenta a ansiedade é intensificada pela carga de inveja, uma emoção inata aos desafios produzidos pelas interações sociais.

 A ansiedade que nos põe em risco, paralisa e nos faz perder rumos é contra-atacada e neutralizada pela pulsão da vida. Se a ansiedade representa uma ameaça, por vezes, mortal – a finitude ameaçadora de algo – a alegria, por outro lado, é uma pulsão essencial, um elemento integrador que, entre perdas e ganhos, nos aponta para uma base existencial estruturada.

A ansiedade é naturalmente desestruturante dos processos até então integradores. Crianças são tomadas pela ansiedade quando suas memórias e percepções sensoriais antecipam alguma situação de desprazer. Adultos também. E o que dizer dos adolescentes? Idosos, tomados pelas fragilidades que o tempo provoca, são presas fáceis ao estado de ansiedade. A antecipação de um prazer fortemente desejado, como nas paixões, também aciona a desestruturada ansiedade.

Levamos o desafio de lidar com a ansiedade ao longo da vida, em diversas etapas. Ela é natural e necessária, desde que não nos faça perder o controle ou desestruturar componentes que alicerçam nossa base psíquica. A construção da alegria, da maturidade do pensamento e dos vínculos de afeição são elementos estruturantes dentro de cada um de nós, a cada instante.

Talvez seja o caso de entendermos nosso desafio como construtores de nossa própria existência – a nossa e a do outro, pois ninguém é uma ilha isolada. São as vivências, as memórias e a fibra que acumulamos ao longo do tempo que dá significado, sentido e trajeto ao caminho.

Assim como a Alegria aprende no filme Divertida Mente, a liderança não é apenas sobre manter uma atitude positiva, mas também sobre reconhecer e validar todas as emoções. É sobre criar um espaço onde todos os sentimentos possam ser reconhecidos. E, acima de tudo, é sobre entender que somos todos humanos, cada um com nosso próprio conjunto complexo de emoções e experiências.

Existem organizações ainda distantes da compreensão do impacto da saúde mental na qualidade dos negócios? Sim. Fazer contato com o complexo exige lucidez.

O espaço em que nos encontramos aqui, na Think Work, é para quem pensa e sente como condição de construir sentido. Falar sobre emoções no trabalho é o caminho que pretendemos trilhar aqui nesta coluna.

Faz sentido para você? Então, caminhemos juntos.

Carlos Netto

 

Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor de “A arte nos sonha”. Foi diretor do Banco do Brasil por 11 anos, além de membro de Conselhos de Administração de várias organizações.

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Comentários O papel da liderança pela ótica de Freud e Divertida Mente 2

  1. Guilherme Cavalieri disse:

    Incrível ter o Carlos Netto como articulista do Think Work. Parabéns. Já em seu artigo inicial nos leva ao mundo da fantasia pelo filme Divertidamente com uma concretude e lucidez que lhe são peculiares.
    Também assisti o filme e tenho comentado muito sobre ele com meu neto de 7 anos. Conversas muito divertidas.
    Poucas vezes um filme estrangeiro tem um título em português melhor do que o original. DivertidaMente é uma exceção que confirma a regra.
    Parabéns Netto por seu primeiro de muitos artigos que leremos por aqui.

    1. Tatiana Sendin disse:

      Também estamos felizes de ter o Carlos Netto na nossa comunidade, Guilherme!

  2. Tatiana Cristina de Barros disse:

    Amei o filme e as comparações, sou estudante de psicanálise e já extraio algo de tudo isso, gostaria de entrar p think work

  3. María Aparecida de Souza Carvalho disse:

    Realmente o filme é muito bom. Por ajudar a entender a nossa mente. Porque todos os nossos sentimentos são importantes para nossa sobrevivência.

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