A arte da pausa liberada

Marcelo Cardoso escreve, para a Today, sobre a importância da pausa para maximizar o rendimento e a produtividade

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Recentemente, o Twitter anunciou uma nova rodada de demissões, entre elas, a de uma executiva que ganhou notoriedade ao dormir no chão do escritório, num saco de dormir para poder cumprir as demandas do seu trabalho. Ela buscava maximizar seu rendimento cortando o tempo dos deslocamentos e horas de sono confortável. É simbólico, neste caso, a relação entre busca de alto rendimento, falta de descanso adequado e demissão.

Na gestão, há uma confusão muito comum entre eficiência e resiliência para gerar alto rendimento. A mentalidade da alta eficiência acredita em cortar tudo que não maximize o resultado, como custos, pessoas e tempos; ao contrário, a resiliência busca o resultado através da dinâmica saudável entre pausa e movimento – é desta forma que a natureza opera.

Anos atrás convidamos Tal Ben-Shahar, especialista em Psicologia Positiva, para palestrar no evento Plenitude que ocorreu em Portugal. Ele usou a metáfora do exercício físico para falar de estresse e trabalho. Segundo Ben-Shahar, as séries fortes de exercício são muito importantes para o condicionamento físico, mas também são importantes as pausas para o recondicionamento. Sem a pausa o corpo perde rendimento e se machuca. 

Da mesma forma, o vilão do rendimento do trabalho não é a falta de atividade suficiente, mas a falta de descanso adequado. O estresse saudável ocorre no equilíbrio entre ação e pausa.  Segundo o palestrante, ainda, há pesquisas que mostram que a falta de descanso e a sobreposição de tarefas afetam nossa capacidade cognitiva em até 10 pontos de QI. 

Há pouco saiu no Financial Times um artigo de Jemima Kelly intitulado “Nós precisamos trazer de volta a arte de não fazer coisas”, em que ela apresenta a sugestiva ideia de fazer uma lista de “não tarefas”. No texto, ela se inspirou na quase esquecida tradição católica da Quaresma, um período que também muito me inspira, em que se recomenda a quietude, a moderação e a pausa.  

Não é necessário ser católico para abraçar a ideia de fazer pausas intencionais e deliberadas. O tema já foi abordado de muitas formas, desde o “Direito à Preguiça” de Paul Lafargue (1880) ao “Ócio Criativo” de Domenico de Masi (2000), passando pelo “Os domingos precisam de feriados” do nosso Nilton Bonder.

Conforme avançamos na chamada “Sociedade do Cansaço” (termo criado pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han), em nosso estado entorpecido do excesso de atividade e consumo acelerado, mais e mais precisamos ser lembrados da importância da pausa e da reflexão. 

E as lideranças têm um papel importantíssimo no contexto organizacional de tornarem-se exemplos da moderação e do temperamento, e devem influenciar suas organizações na direção da resiliência. 

Já citei no início o mal exemplo do Twitter, e posso contar de um caso pessoal: no meu tempo como gestor do Hopi Hari, eu tive um pico de burnout e travei completamente. Fui parar no hospital, tomei soro, fiz exames e nada físico foi encontrado… Foi meramente excesso de trabalho sem descanso. No dia seguinte, lá estava eu novamente no escritório lidando com a carga intensa de pressão que fazia parte da minha rotina.

Então, eu reconheço que determinar períodos de pausa não é uma tarefa fácil para executivos e líderes. Basta percebermos nossos comportamentos ao tirarmos férias: nos enchemos de compromissos sociais, viagens, roteiros, demandas familiares, tarefas domésticas… Dificilmente abrimos mão de fazer qualquer coisa que seja, que é o sentido da pausa. A pausa, mais do que um alívio para o tempo cronológico, precisa ser um alívio para o tempo psicológico, não adianta parar o corpo e manter a mente ligada e ansiosa, se ocupando ou se preocupando.

Nilton Bonder escreveu: “temos medo das pausas. Todos nós já tentamos dar conta das pausas buscando controlá-las, e a sensação resultante não é agradável. (…) Entregar-se é a forma de navegar pelas pausas, e quando não compreendemos esta lei do fluxo, ficamos bastante angustiados. Reagir a uma pausa é, portanto, remar contra a maré, é nadar contra a corrente de nossas próprias vidas.

(…) A pausa, como disse, não é uma inatividade, mas a hibernação dos meios de controle da realidade à nossa volta.

Quem se permite experimentar uma pausa, quem se permite descobrir que, para além da violência do descontrole, atinge-se trechos do percurso onde a vida retoma controle (onde não há mais rumo, mas calmaria) acaba por encontrar uma nova forma de se relacionar com a própria vida.” 

Bonder pega neste trecho um ponto essencial, o medo da pausa tem a ver com o nosso medo do descontrole, e a atividade irrefletida alimenta os nossos vícios de controle da personalidade… A pausa deliberada nos obriga a olhar para nós mesmos e nossas angústias íntimas.

Optar pela pausa consciente é enfrentar um impulso interno de reagir o tempo todo às circunstâncias e permitir nos deparar com um vazio interno existencial… É dolorido, mas como continua Bonder na sequência, além desse descontrole passageiro, há um fluxo natural das coisas, e quando nos relacionamos com nossa vida e o trabalho a partir dessa sintonia, tudo muda.

<strong>Marcelo Cardoso</strong>
Marcelo Cardoso

Executivo com mais de 25 anos de experiência, tendo ocupado diversas posições em companhias de variados segmentos e países. É fundador e integrador da Chie.

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