Em mais uma estreia da Today nesta semana, Thomas Nader escreve sobre as dificuldades dos transgêneros no mercado de trabalho
Quando perguntado sobre resiliência em entrevistas, gosto de começar falando da minha própria vivência como um homem trans no país que mais nos matam pelo décimo quarto ano consecutivo.
Mas eu não gosto de falar apenas da parte triste de ser uma pessoa trans. Prefiro inspirar outras pessoas a mudarem as coisas como eu venho tentando influenciar o mundo do RH.
Para ser sincero, se você que está lendo me perguntasse se eu imaginaria estar onde estou hoje, a resposta com toda certeza seria um belo de um não.
Mas porque eu digo isso? A triste verdade é que eu sou um caso de muito privilégio dentro do mundo transgênero, já que segundo um levantamento da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), menos de 5% dessa população tem um emprego formal.
Além de ter um cargo de supervisão hoje em uma das maiores empresas de e-commerce no Brasil, eu não fui rejeitado pelos meus pais, tive oportunidades de fazer algumas viagens internacionais, entre outros fatores que me ajudaram a chegar onde estou.
Na realidade, eu poderia ter um rumo de vida totalmente diferente, inclusive devido a minha formação acadêmica, Educação Física. Mas tive muita sorte de ter passado em um projeto chamado Transpor, que me auxiliou a construir um currículo que me ajudou a me inserir no mercado de gestão de pessoas.
Depois disso, uma startup abriu as portas para que eu virasse um recrutador, já que, na entrevista, fui visto muito além do meu currículo e da minha formação. Eles conseguiram enxergar minhas soft skills e minha vivência.
Após me tornar coordenador de DHO nessa startup, tive a sorte de ser indicado a uma vaga que mudaria minha vida. Foi quando iniciei o processo seletivo no Mercado Livre, onde atuo hoje em dia. Entre várias etapas e meses de entrevistas, em momento nenhum eu tive a sensação de que estava nesse processo por alguma cota ou uma questão de vaga afirmativa.
Na verdade, o grande fator que me fez ser selecionado foi o desejo da liderança da empresa, que queria uma pessoa trans ocupando um espaço de destaque como o que eu ocupo hoje. Não apenas uma pessoa trans, mas alguém com origens humildes, de comunidade. Alguém que entendesse o valor de diferentes vivências e que nem sempre anos de experiência ou um MBA se fazem essenciais para um bom candidato.
Quando eu entrei em um centro de distribuição pela primeira vez, fui tomado pela insegurança, já que, talvez pela minha trajetória até aqui, tenho um senso interno de cobrança extremamente elevado. Minha sorte foi ter uma equipe maravilhosa ao meu lado que me ajudou a me desenvolver, me dando feedbacks que me permitiram aprender cada vez mais rápido.
A verdade é que nossa sociedade ainda tem um longo caminho a percorrer para entender que as vivências de pessoas trans e de pessoas cisgênero (que se identificam com seu gênero de nascimento) são muito diferentes. Mais do que isso, o que temos a oferecer às empresas e mercados também é bem diferente.
E quando começarmos a visualizar isso, histórias como a minha, de uma pessoa que hoje pode sustentar a mãe, pagar suas contas em dia e ter um cargo de liderança, vão deixar de ser vistas como uma exceção, se tornando cada vez mais comuns dentro da sociedade e do mundo corporativo.
Hoje eu sou visto como uma pessoa privilegiada, mas, na verdade, eu só quero que isso acabe. Meu maior desejo é que outros corpos trans também possam vivenciar essa experiência de ocupar os espaços que um dia nos disseram que nunca poderíamos ocupar.
Uau!! Parabéns por essa bela trajetória de vida!
Você mostrou força e coragem, e agora nos brinda com esse altruísmo, compartilhando para inspirar e construir uma sociedade melhor!
Você é uma grande referência para as próximas gerações.
…E, claro, não há melhor lugar do que no RH, para levar esse sentimento aos colaboradores da organização!
Que se agigante o seu sucesso em sua carreira e na sua vida! E que a cada dia sua voz se torne mais ativa e inspiradora!
Abraços,
Kleber
Bora voar sempre mais alto, mas com segurança! Sempre lembrando a distância de segurança do sol e sem esquecer o lugar de onde partiu seu vôo.
Ocupe todos os espaços (im)possíveis por todos que lutam pela inclusão! 🫂