Modernos tempos laborais

Para a Today, Patrick Schneider escreve sobre as mudanças nas relações laborais em tempos de escalada dos recursos tecnológicos

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O pensamento de que a escalada econômica das redes sociais e dos espaços tecnológicos monetizáveis criou um processo de extrativismo do olhar, termo explorado amplamente pelo professor titular da Escola de Comunicação e Artes da USP, Eugênio Bucci, em seu mais recente livro chamado “A superindústria do imaginário”, aponta para um caminho em que ao rolarmos uma timeline, aparentemente despretensiosa, estamos trabalhando para alguém. 

Seja para uma marca diretamente ou para um influencer que já trabalha para uma marca, ou ainda, para uma métrica de um influencer que sonha um dia trabalhar para algumas marcas em seu espaço comercial imaterial. 

A conexão ininterrupta tem transmutado nossos dias em momentos nos quais acessamos e somos acessados sem mais necessidade de pedido de autorização. Os impactos desta conexão desmedida podem ser sentidos em mais de um ambiente social, mas meu foco aqui residirá apenas no ambiente do trabalho que é onde atuo como pesquisador. 

À medida que os celulares passaram a figurar nosso dia a dia de modo indissociável, este abriu portas de comunicação e interação humana impensáveis no passado. 

Por outro lado, trouxe consequências dissociativas e que foram aprofundando pequenas desconexões mundanas em mesas de almoço ou jantar, disputando a atenção no trânsito ou em reuniões. Como quando uma risada incontida surge em meio a algum tema intensamente debatido pelos demais, que não compreendem o efeito dopamínico de uma imagem de um filhote de gato capturado pelo seu tutor em raro momento vivido por sua relação e compartilhado em um frame rápido de um vídeo curto.

No mesmo ritmo do tráfego acelerado de informações que circulam no ambiente virtual, passamos a nos comportar no ambiente físico utilizando recursos de aceleração de velocidade em áudios de mensagens instantâneas ou treinamentos assíncronos produzidos para nos permitir assistir o conteúdo, em tese, em momentos que tivermos um espaço na agenda.   

A descoberta de que podemos fazer tudo ao mesmo tempo, utilizando os recursos tecnológicos, nos afastou da concentração em uma única tarefa, por vez aportando toda a qualidade que nos diferencia uns dos outros enquanto profissionais. 

Não raro ao olharmos para a tela do computador, nos flagramos fazendo um slide em meio a uma reunião via plataforma digital em que nem bem sabemos o porquê fomos convidados, mas que a pessoa que nos demandou a presença tinha bons motivos para nos ter ali, dentro daquela reunião, a qual teimamos em realizar o dual-tasking, uma das práticas pandêmicas que, aparentemente, veio para ficar.

A sobreposição de interações dentro do ambiente profissional, bem como os discursos em palestras de que você pode e deve ser mais produtivo são apontados como causa de esgotamento de trabalhadores no momento contemporâneo por Byung-Chul Han, autor do aplaudido “Sociedade do Cansaço” que aporta importantes reflexões sobre nosso comportamento social atual atravessado pela tecnologia.

Recentemente precisei atuar em uma demanda de uma profissional que buscava aconselhamento após ter sido cancelada em sua principal plataforma de marca pessoal, por um posicionamento político. Esta situação me mostrou o quanto somos humanos sem recursos para lidar com algumas novas temáticas da área de gestão de pessoas

Outra demanda inusitada foi o pedido de fim do home office às entidades de representação patronais encaminhado por entidades de bares e restaurantes ao redor do Brasil, alegando a queda no volume de comercialização de almoços e o fim definitivo dos happy hours como prática entre colegas. Os dois elementos somados trouxeram perdas superiores a 40% nos estabelecimentos situados em grandes conglomerados empresariais obrigando alguns destes a fechar.

A situação narrada acima, ganha coro por lideranças de todas as idades que confidenciam entre dentes ainda possuírem dificuldades da gestão à distância e que almejam um escritório cheio, como antigamente. 

O comportamento da sociedade mutante dentro das organizações tem trazido interessantes dinâmicas comportamentais, que refletem não impassíveis, a necessidade de refletirmos sobre para que mundo estamos caminhando. Os alertas trazidos por Han e Bucci, passam desapercebidos por estarmos inundados dos mesmos comportamentos. 

Olhar em perspectiva e pensarmos como estas novas realidades nos impactaram em um futuro do trabalho ainda mais dinâmico me fascina e inspira a seguir, ainda que sem respostas, com um olhar atento. 

<strong>Patrick Schneider</strong>
Patrick Schneider

Gestor de Recursos Humanos LATAM com 20 anos de atuação em companhias globais, autor e pesquisador na área de futuro do trabalho.

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