“Adotar ‘gato por lebre’ é fácil, em uma área relativamente nova como prática, bastante abstrata e com muitas abordagens questionáveis”, alerta Claudio Garcia, professor na New York University, sobre os erros na cultura organizacional
Novos modelos de negócios, transformação digital, metodologias ágeis, corporate ventures. As organizações já lidavam com bastante pressão para transformar sua cultura organizacional quando a covid-19 emergiu e desordenou ainda mais o estado das coisas.
Além do amplo experimento do trabalho híbrido e remoto (que ainda promete vários capítulos), as companhias estão lidando com um vasto problema de saúde mental e com a “grande renúncia”, com as pessoas deixando seus empregos como nunca – por motivos que vão de crise de identidade à mudança de perspectiva sobre o trabalho.
Culturas organizacionais há muito tempo não eram tão testadas. O que era uma prioridade e foco para CEOs e CHROs antes da pandemia, agora se tornou urgente. O atual contexto deverá gerar uma explosão de demanda por suporte ao tema.
Mas adotar “gato por lebre” é fácil, principalmente em uma área relativamente nova como prática, bastante abstrata e com muitas abordagens questionáveis. O mínimo de entendimento pode ajudar a navegar por esse tema intangível. Fique atento a esses quatro erros sobre cultura organizacional.
O primeiro ponto é que transformar a cultura organizacional não é um processo linear, onde se mudam os comportamentos e os valores de um ponto para outro. Empresas geralmente têm uma lista de comportamentos e valores que representam o estado atual e o desejado de suas culturas. Essa lista é acompanhada por planos de comunicação, desenvolvimento e incentivos que se acredita irão levar a cultura até o outro lado.
Mas, a cultura organizacional é um fenômeno social, condicionado às relações entre indivíduos, e, portanto, carregada de nossa humanidade − emocional, repleta de polaridade e inconsistência.
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Portanto, é bastante frequente esses planos resultarem em consequências não-intencionais, com resultados completamente diferentes dos planejados. Por exemplo, esforços para maior colaboração que acabam aumentando a competividade; ou programas de diversidade que ampliam a discriminação; ou, ainda, no caso da pandemia, o trabalho híbrido que gera fragmentações, ampliando o burnout e reduzido o vínculo entre colegas.
A cultura é feita de divisão, não somente de coesão. Para definir sua cultura, organizações geralmente usam o resultado de pesquisas ou entrevistas que refletem o ponto de vista médio dos participantes. Ignoram que as médias explicam pouco os fenômenos sociais, pois ocultam as diferentes narrativas que, ao interagirem, definem o status-quo e as possibilidades de transformação.
Conflitos, como entre marketing e vendas, entre inovação e eficiência, ou curto e longo prazo, são essenciais para se balancear competências que, quando predominam isoladamente, podem gerar consideráveis riscos. Um dos desafios de gerir a cultura está em intencionalmente manter – e até adicionar – diferenças, ampliando capacidades que podem ser úteis em um mundo incerto.
Gerir a cultura organizacional é liderar o paradoxo de encontrar o que nos une e o que nos diferencia. Evolutivamente, fomos condicionados a buscar homogeneidade como grupo, ao mesmo tempo que queremos nos diferenciar como indivíduos. Apesar do discurso pró-diversidade, empresas tendem a privilegiar em suas práticas a similaridade. Para isso, definem uma “cultura ideal”, e estruturam a gestão de pessoas para estimular esses comportamentos e valores em seus profissionais. Ao adotar esse conceito (cultural fit), as organizações aumentam sua vulnerabilidade. Ao incitarem a homogeneização, reduzem sua adaptabilidade.
Identificar, adquirir e cultivar diferenças (cultural add), unindo-as em torno de uma intenção, tem se mostrado uma vantagem competitiva importante. Como disse Stephen Covey, “a força vem das diferenças, não das similaridades”.
Mas, jogar nesse campo requer uma visão de gestão de pessoas e de cultura bem distinta.
Finalmente, cultura não deveria ser gerenciada como um projeto, mas como uma prática de constante monitoramento e intervenções pensadas. Como qualquer dinâmica social, a cultura organizacional está contínua e sutilmente se acomodando, usualmente de forma não previsível.
Muitos dos erros em relação à cultura organizacional são resultado de uma visão mecanicista sobre as empresas – uma visão que ainda predomina no ambiente corporativo.
Mas as pessoas não são engrenagens. As companhias não podem simplesmente comprar e direcionar o comprometimento e o comportamento de pessoas – apesar de dependerem deles.
As culturas organizacionais são orgânicas, fluídas. São mais parecidas com sistemas climáticos ou biológicos, com diversos atores, nos quais você identifica os padrões, compreende como se formam, mas arduamente prevê o que pode acontecer.
Como em relacionamentos, é melhor se envolver com a cultura organizacional do que acreditar que se pode controlá-la.
Envie sua pergunta sobre gestão para o professor Claudio Garcia, da NYU, para o e-mail [email protected]
Excelente Claudio! Vai dar bem mais trabalho ser e formar líderes…
Grande abraço