O que arde cura, o que aperta segura

O CKO da Think Work, Matthias Wegener, faz uma reflexão sobre alguns dos resultados da pesquisa Desafios e Tendências do RH 2024, trazendo à tona a manutenção dos mesmos problemas na gestão de pessoas com o passar dos anos

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Imagino que muitos já tenham ouvido ou mesmo usado o dito popular que dá título a este artigo. 

Até a década de 1990, ele era muito empregado para comparar diferentes medicamentos usados no tratamento de ferimentos. De um lado, estava o produto que sugeria uma ação duradoura, mas era doloroso num primeiro momento. De outro, ficava o remédio que seria o mais brando, porém menos eficaz para o problema.

Ao olhar os resultados da edição 2024 da pesquisa da Think Work Lab sobre os Desafios e Tendências do RH, não pude pensar em outra coisa.

Há mais de 10 anos, conduzo algumas das principais pesquisas brasileiras sobre o tema e, analisando os dados deste estudo, algo me chamou a atenção. Embora as posições variem um pouco de ano a ano, e ao menos por um tempo as mudanças causadas pela pandemia tenham trazido novas questões, a verdade é que os principais desafios do RH no Brasil não mudam.

Cultura organizacional, desenvolvimento dos atuais líderes, atração de talentos e identificação e formação de líderes futuros são temas que sempre estiveram no topo das listas. Eles podem se revezar entre as primeiras posições, mas a verdade é que quase todos estão na dianteira.

Reconheço que todos esses temas são desafiadores e precisam ser sempre trabalhados. O que me incomoda é o fato de não saírem da liderança entre o que chamamos de “principais desafios”. Será que é tão difícil manter políticas, práticas e ações que garantam certa estabilidade a esses assuntos, de modo que as empresas possam atacar outras questões?

Com base nesta indagação, gostaria de passar com vocês sobre algumas das minhas considerações sobre o porquê de isto acontecer.

Sim, os dirigentes são parte do problema

A falta de apoio da direção da empresa é um constante ponto crítico para o RH. Prova disso é que a sensibilização da diretoria foi apontada por mais da metade dos respondentes da pesquisa como entrave para a superação dos desafios.

Dirigentes são peças-chave para que as ações surtam o efeito esperado. Sem o seu apoio institucional e financeiro, não há como uma iniciativa se sustentar e trazer resultados.

Mesmo quando se consegue o apoio necessário, é preciso provar sua validade com os resultados concretos e duradouros das iniciativas. Só assim a confiança se consolida.

O CHRO também tem culpa no cartório

Mesmo que os dirigentes tenham sido uma barreira, entendo que algumas posturas dos CHROs também sejam um problema, como mostram resultados do nosso primeiro Raio-X do RH, de outubro de 2023. Nesta pesquisa, entre outros tópicos, mapeamos o perfil do principal líder do RH brasileiro – Chief Human Resources Officer (CHRO) ou equivalente.

Me espantou o baixo crescimento de carreira na área: somente 9% desses líderes se formaram dentro do RH; 71% haviam sido contratados no mercado para a função. Além disso, 55% tinham menos de três anos de casa. Isso demonstra alta rotatividade, o que dificulta a implementação de ações de longo prazo.

Mas o que mais me chamou a atenção foi o nível das mudanças propostas pelos CHROs ao chegarem à empresa.

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Isso mesmo. Em apenas 8% dos casos, deu-se continuidade às ações que estavam em curso. Na maioria das vezes, para piorar, foram promovidas mudanças drásticas. Como mudar aspectos tão importantes para as empresas como cultura e liderança, se a cada três anos mais da metade dos CHROs deixa o cargo para dar lugar a mudanças radicais no que vinha sendo feito?

Fica claro porque, nas duas últimas edições da nossa pesquisa de desafios do RH, certas questões seguiram em alta, inclusive em 2024. Com tantas mudanças de comando e de foco certamente fica difícil encontrar soluções definitivas ou pelo menos duradouras para problemas tão complexos. 

Onde fica o propósito?

Em outra pesquisa que fizemos na Think Work, sobre atração e retenção dos profissionais brasileiros, os dados de atração dos gestores se destacam dos liderados principalmente em um fator: o propósito. Apenas 13% dos liderados consideraram o propósito ao assumir seu emprego, enquanto esse aspecto teria pesado significativamente para 20% dos líderes.

Resgato esses dados para fins de provocação: o que seria propósito na visão dos líderes de RH? A superação dos maiores desafios da área não faria parte dele? Eu, pessoalmente, entendo que entregas como estas deveriam estar no topo da lista de propósitos dos gestores de pessoas. Mas, com a frequência de mudanças nas cadeiras de liderança, me parece que resolver esses desafios não tem sido a prioridade na carreira dos líderes da área.

Além disso, contrato significa compromisso: deposita-se confiança em uma pessoa ao contratá-la, principalmente para uma vaga de nível executivo. É verdade que podem aparecer ofertas irrecusáveis para um novo emprego, tanto pelos desafios propostos como pelo salário sugerido, mas é preciso ter consciência do compromisso assumido ao aceitar a posição e do impacto que a sua saída pode ter na empresa, sobretudo nos projetos da área de RH.

Sabemos, por exemplo, que uma mudança proposta por um novo CHRO para um programa de desenvolvimento da liderança impacta toda a organização. Em um projeto de cultura então, nem se fala.

Alguém conseguiu vencer esses desafios?

A resposta é: sim.

A pesquisa de Desafios e Tendências do RH 2024 mostra que há um grupo vitorioso aqui. O que essas pessoas têm em comum é o foco na inovação no RH. Nenhuma empresa que se enxergue como exemplo a ser seguido sinalizou ter problemas com atração de talentos e poucas são as que entendem ter dificuldades nos temas de cultura organizacional e liderança, por exemplo. Para elas os focos já são outros, como reforçar os estudos de people analytics ou alcançar níveis ainda mais altos de produtividade com seus funcionários.

A inovação no RH é justamente o que ajuda a área a sair da sua caixa, a fazer as coisas de maneira diferente e, com isso, encontrar soluções que sejam de fato robustas, duradouras e que possam deixar para trás os problemas corriqueiros do RH, permitindo que ela se concentre no futuro.

Na minha visão, para que estas ações possam dar resultado é preciso principalmente de 3 coisas:

  1. Pensar fora da caixa: precisamos buscar novas formas de fazer o que sempre fizemos. Não à toa vemos uma correlação entre os resultados do Prêmio Think Work Flash Innovations de 2022 e 2023 e os principais desafios do RH: em ambos, os piores indicadores ficam nas temáticas de liderança e cultura organizacional. E o motivo é simples: todos fazem os mesmos tipos de ações com os mesmos players do mercado, mas poucos conseguem realmente inovar;
     
  2. Dar tempo às iniciativas: a rotatividade entre os CHROs e o alto volume de mudanças propostas no foco das ações da área certamente não ajudam a alcançar resultados consistentes, o que por um lado faz parecer que elas não são efetivas e, por outro lado, não ajuda a construir uma imagem positiva da área de RH perante os dirigentes, minando cada vez mais o pouco apoio disponível;

  3. Manter-se firme no seu objetivo: resgatar o motivo pelo qual se optou por trabalhar em uma empresa e por dar início a um projeto são rotinas que todo profissional deveria ter – e não é diferente para o CHROs. Vocês são a principal engrenagem que fazem esta roda girar nas empresas e, com tantas mudanças como temos visto, não vamos conseguir enquanto comunidade superar estes desafios básicos do RH, nem mudar a imagem como a área é vista dentro das empresas.

Estes são meus conselhos para que, em 2024, possamos superar de uma vez por todas estes desafios.

<strong>Matthias Wegener</strong>
Matthias Wegener

Especialista em clima organizacional e modelos de gestão de pessoas, é head de pesquisas e benchmarking na Think Work.

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