Embora esteja em alta falar em dados, nem todas empresas conseguiram ainda abraçar o people analytics, escreve Matthias Wegener para a Today
Muito se tem falado em tornar o RH orientado por dados nos últimos anos. Mas, até o momento, esta é uma realidade de poucas empresas. Seja pela falta de conhecimentos técnicos, recursos tecnológicos limitados ou dificuldades para integração de sistemas e dados, a verdade é que o tal do People Analytics ainda não engrenou no Brasil.
Dave Ulrich e sua equipe apontaram na edição mais recente do Estudo de Competências para o RH (2021) que a mobilização de informações é, atualmente, uma das competências mais importantes para o profissional de RH. Isto significa que nós, como profissionais de recursos humanos, precisamos ser capazes de captar, analisar e aplicar informações e dados que nos ajudem a tomar melhores decisões. Mas por que isto é tão importante?
Há tempos o RH já não deve se concentrar mais apenas em tarefas transacionais, como operacionalizar processos de admissão e demissão ou rodar a folha de pagamento. Cada vez mais, precisamos ser capazes de gerar valor para o negócio e apoiar a organização na tomada de decisões que possam trazer um diferencial competitivo para a empresa. E, para isso, ser capaz de quantificar aspectos que muitas vezes são geridos apenas com base em informações subjetivas e na percepção das pessoas e saber navegar através dos diferentes dados gerados pela área de gestão de pessoas se torna essencial.
Ao orientar a gestão de pessoas por meio de dados, conseguimos trazer mais e melhores argumentos para apresentar as demandas da área aos dirigentes da organização. Podemos apoiar os líderes na gestão de sua equipe e temos maior certeza de que as decisões ligadas ao RH estão sendo justas e avaliadas com o mesmo peso e medida em toda a organização. Essas são só algumas das vantagens que o uso de dados traz para o RH, que, conforme o aumento da capacidade de interpretação e mobilização dos dados, consegue chegar a níveis de análise cada vez mais complexos e precisos.
A boa notícia é que estes dados estão disponíveis na área de RH de todas as empresas. No caso de uma que empresa ainda não esteja dando a devida atenção a eles, basta apenas começar a armazená-los corretamente e, por meio disso, utilizá-los para melhorar a gestão de pessoas.
Onde podem ser encontrados os dados necessários?
Muitas informações certamente já são captadas em todas as organizações diariamente, mas nem sempre são armazenadas corretamente e tratadas para que possam ser utilizadas. Para isso, as empresas criam os chamados indicadores de RH, que vão desde dados mais simples para medir, como, por exemplo, a rotatividade de funcionários, o nível de absenteísmo e a quantidade de horas-extras de cada funcionário ou equipe, até avaliações mais detalhistas como o percentual de posições com sucessores mapeados ou a aferição da taxa de retenção de profissionais-chave para a organização.
O primeiro passo para criar estes indicadores é ter clareza sobre quais informações se quer ter e como elas poderão ser usadas nos processos decisórios. A partir daí, é necessário buscar formas de medir este padrão, seja através de pesquisas, combinações de informações já disponíveis em outras fontes ou traduzindo informações subjetivas em dados por meio de questionários estruturados e avaliações quantitativas.
Vale destacar que, muitas vezes, um mesmo processo ou avaliação pode dar origem a diversos indicadores. Como exemplo, podemos citar o processo de avaliação de desempenho, que pode servir como base para calcular índices de produtividade das equipes, o nível de prontidão dos funcionários para assumirem novos desafios de carreira no futuro ou até o nível de desenvolvimento dos funcionários em determinadas competências ao longo do último ciclo. Mas, para isso, o processo de avaliação deve ser montado de forma adequada para captar todos estes dados.
Outra grande vantagem do uso de dados e indicadores é ter a possibilidade de se comparar com outras organizações por meio de benchmarkings. Como muitos destes indicadores são calculados da mesma forma ou de maneira bastante similar em diversas empresas é possível ter uma referência que nos mostra se o que está acontecendo em nossa organização está de acordo com o mercado ou não ao se comparar estes índices. Ao mesmo tempo, ao conhecer os indicadores de outras empresas, podemos também avaliar melhorias em processos internos e identificar novos temas que podem ser mensurados e acompanhados na organização.
Como começar os trabalhos
Muitas empresas deixam de iniciar a transformação de seu RH para uma gestão orientada por dados por conta da complexidade e dos altos custos muitas vezes associados a este processo. De fato, quando falamos de modelos mais complexos de análise dentro do conceito de Big Data, precisamos ter em mãos os chamados 4Vs: volume de dados, veracidade, variedade de informações e velocidade para processá-los. Entretanto, não é necessário que se espere ter todos estes elementos para que se inicie a aplicar os dados à gestão de pessoas.
A sugestão é que se comece da maneira mais simples possível. Isto mesmo: apenas com a boa e velha planilha e com processos de análise de dados mais simples possíveis, mas que já permitirão à empresa ter novos insights, como por exemplo, sobre quais os dias que tendem a ter maior absenteísmo, quais gestores têm tido um efeito positivo ou negativo sobre o desempenho de sua equipe e quais treinamentos têm representado um maior ganho de produtividade. E, sim! Muitas vezes achamos que já temos estas respostas sem os dados. Mas, por meio destas análises e resultados, teremos como comprovar a nossa percepção, traduzindo-a em números que se transformam em poderosos argumentos para diversas ocasiões.
Uma vez que se vá ganhando maior familiaridade com os processos de análise de dados e se tenha um volume de dados mais robusto, aí sim, se torna interessante que a empresa opte por ter um maior investimento nesta área, seja através de sistemas específicos ou da contratação de profissionais com expertise no assunto e dedicação exclusiva para a análise de dados do RH, iniciando de fato os trabalhos de people analytics.
Mas há um ponto muito importante que deve ser debatido antes de tudo isso que falei até aqui. De fato, dados preliminares da pesquisa da Think Work e da Falconi sobre o Uso de Dados e People Analytics no Brasil mostram que a maior limitação para adoção destes processos não está relacionada a questões financeiras ou ao conhecimento técnico no assunto. Está na ausência de uma cultura orientada por dados nas empresas. Por isso, sem que os dirigentes, gestores, equipes e o próprio RH acreditem no poder de transformação dos dados na gestão de pessoas e na gestão das empresas como um todo, de nada adiantará o esforço isolado de algumas pessoas para levantar essa bola. Conscientizar toda a organização sobre a importância de orientar o RH por meio de dados pode muitas vezes ser uma tarefa difícil e trabalhosa, mas acredite: vale a pena. Este – sim – é o verdadeiro ponto de partida.