Carlos Netto, ex-diretor de RH do Banco do Brasil, mostra como a etimologia das palavras pode aprimorar a comunicação e a liderança nas organizações
Gosto de pesquisar a etimologia das palavras. Entender suas origens nos ajuda a compreender melhor o sentido, significado e natureza de cada termo.
Buscar a compreensão do sentido das palavras é um dos fundamentos da boa comunicação. Palavras não são simplesmente jogadas em um texto ou discurso; elas devem ser escolhidas e lapidadas. É por meio das palavras que podemos descobrir o que as ideias têm por dentro.
Quantas vezes, nas empresas em que trabalhei, vi referências ao chamado “Encontro de Líderes” quando, na verdade, tínhamos ali o “Encontro de Gestores”. São conceitos distintos. Seria desejável que todos fossem líderes, mas não me atreveria a confundir deliberadamente um conceito tão caro e necessário. Se falhamos no conceito, a prática fica comprometida.
Ao levantar o problema conceitual, oferecemos um melhor nível de consciência dos desafios ao se alcançar a liderança, quando somos institucionalmente gestores. Nomeação nenhuma, para nenhum cargo, entrega o fenômeno da liderança para uma pessoa. Isso ela fará – ou não – no cotidiano das interações com o grupo.
Liderança é uma construção humana que vai além do cargo. Já vi profissionais largos demais para a posição que ocupavam, expandindo-a. Também vi cargos grandes demais para a pessoa nomeada, fragilizando-a. A experiência de anos de trabalho nos mostra que “cada panela tem sua tampa para o bem do cozido”.
Experiência, por exemplo, é o “conhecimento que nos é transmitido pelos sentidos”. Vem de experior (que significa tentar), formado pelas partes ex (fora, além de, sair) e peira (prova, tentativa). A experiência se constrói na relação com algo além de nós mesmos. Não controlamos o que está além, embora possamos mitigar riscos.
Por sua vez, a palavra experimento, com a mesma etimologia, tem um sentido diferente, pois enseja uma intencionalidade, com variáveis mais controladas, como acontece em um laboratório.
Ou seja, a experiência é essa capacidade de lidar com variáveis não controladas, algo cada dia mais frequente no turbilhão dos acontecimentos da sociedade em rede.
Quando falamos de ideal queremos dizer “aquilo que é objeto de nossa mais alta aspiração intelectual, estética, espiritual, afetiva ou de ordem política”. Vem de eido, que significa ver. Não há, portanto, ideal sem visão apurada.
Lembro de entrevista do Papa Francisco ao jornal El País, assim que foi eleito Sumo Pontífice. Francisco destaca o sentido da palavra pontífice como “construtor de pontes”. Segundo ele, a fé trata o Sumo Pontífice como ponte entre o reino de Deus e o dos homens, mas ele mesmo alerta que é uma questão de crença. Para além disso, todos nós, inclusive os ateus, somos pontes (ou pontífices) entre o mundo da subjetividade (ideias) e o mundo material (objetos).
Nossa missão é transformar algo para melhor, por meio de nossas ideias, expressas no trabalho que realizamos. Há quem viva no mundo da subjetividade, pródigo em ideias, sem conseguir implementar nada. Há também quem faça um determinado trabalho do mesmo jeito, sem aperfeiçoar, como sempre foi feito. Gente incapaz de pensar e melhorar o processo presente. Isso também não transforma.
É a capacidade de ser “pontífice” que dá sentido e resultado ao trabalho. Internalizei essa ideia como imagem que diz muito sobre o destino almejado daquilo que fazemos por meio do nosso ofício.
Valores, por sua vez, são “normas, princípios ou padrões sociais mantidos por indivíduos, classe, sociedade”. Cultura, arte, ciência, dignidade. Sua origem vem de valeo, valere, que significa “valer, ter força, poder.”
Valores demandam força, poder para sustentá-los. Construir valores coletivos não combina com fragilidade de repertório e, sobretudo, de atitudes. A fratura entre retórica e realidade deve sempre estar no filtro das nossas análises entre o dito e o realizado. O discurso, por si só, não transforma realidades, muito menos constrói valores com a devida raiz.
Valores não sobrevivem sem ética, o estudo dos “juízos de apreciação referentes à conduta humana, suscetível na qualificação do bem e do mal”. Vem de ethos, que significa costumes, caráter. É diferente da moral (de mos, o uso, o costume), o “conjunto de normas estabelecidas por um grupo de pessoas” como modelo a ser seguido. São leis que devem ser obedecidas, independente daquilo que sentimos.
Visão, missão e valores são alguns dos pontos que constituem a cultura organizacional – força invisível que define os comportamentos esperados e recompensados, inclusive daqueles que se tornam líderes. De estudo tão necessário nas empresa, cultura tem sua origem de colere, que quer dizer cultivar.
A cultura é cultivada, tendo como condição o solo existencial de cada um. Ou melhor, da ética que forma essa base de caráter onde a cultura criará raiz. Ela responderá aos acontecimentos mais imediatos – como reagimos a eles.
A ética se realiza no presente momento. Potencializa ou desbota os valores de uma cultura. Se a cultura é cultivada, a ética deve ser o adubo para que ela se realize de forma saudável, em especial no respeito ao outro e à diversidade que nos faz interagir com o diferente.
O conforto desestimula a consciência crítica. Ser provocado pelo sentido das palavras é um bom caminho. Elas revelam mais do que imaginamos. A etimologia das palavras pode aprimorar a comunicação e a liderança nas organizações. Seu conceito deve ser a bússola das práticas.
Texto tão denso para um Gestor e diluível para um Lider. Interpretação ainda não é um lugar comum onde estamos. Obrigada