Para a Today, Silene Rodrigues escreve sobre vieses inconscientes que continuam a guiar algumas decisões nas empresas
Para não dizer que me sinto muito triste, vou manifestar o meu sentimento como algo interessante. Sim, interessante que em pleno século 21, mais precisamente no ano de 2023, ainda escutemos líderes do meio corporativo expressando ideias como: “agora que já atingimos o percentual desejado de mulheres em posições de liderança, não precisamos mais nos preocupar com a equidade de gênero”.
Ou outros absurdos como “podemos contratar pessoas com deficiência, mas precisamos ser pacientes e entender como faremos para que o trabalho seja executado, pois sabemos que elas não terão uma boa performance”, “queremos um programa de jovens talentos que foque na contratação de estudantes de faculdade de primeira linha, porque é assim que vamos garantir que tenhamos profissionais de alto potencial” e “curso universitário é condição fundamental para contratação em nossa empresa”.
Honestamente, com o perdão da gíria, “buguei”! É isso mesmo? Nós, executivos de RH super bem sucedidos, ainda estamos tendo conversas desse nível em grandes corporações? Para mim, tem algo errado aí. Ou nós não somos executivos de gestão de pessoas tão bem sucedidos como pensamos, ou as corporações não entendem o verdadeiro significado de ser grande.
Me perdoem, não tenho a menor intenção de ofender ninguém, tampouco de ser a dona da verdade. Mas isso me cansa e, ao mesmo tempo, me dá a oportunidade de entender um pouquinho a fala de pessoas pertencentes a populações minorizadas quando dizem que estão cansadas de ensinar. De verdade, dá uma preguiça.
Será que não é óbvio que ter 30%, 40% ou 50% de mulheres ocupando posições de liderança não significa nada se não conseguirmos sustentá-las nessas posições? Se é difícil encontrar esse espaço para as mulheres, mais difícil ainda é evitar que, ao se movimentarem, elas sejam substituídas por homens.
E quem pode afirmar com certeza que a performance de uma pessoa com deficiência será pior do que a de uma pessoa sem deficiência? Pior ainda, de onde saiu a ideia de que essas pessoas são menos comprometidas ou não estão verdadeiramente interessadas no trabalho? Onde estão os dados que comprovam essa hipótese? Eu sei onde estão, simplesmente não existem.
Ah! E o que dizer dos grandes potenciais que só existem em faculdades de primeira linha, que coincidentemente ou não, são acessíveis somente àqueles que tiveram a oportunidade de estudar em colégios privados, com um custo exorbitante? Claramente estamos falando de pessoas de classe média-alta, que não por coincidência, são pessoas brancas. Me dá a impressão que o potencial não está no ser humano, mas no meio que ele habita.
Sem falar nesse paradigma de que todo mundo precisa ter uma formação universitária para ter uma carreira em uma grande multinacional. Eu mesma trabalhei em uma das maiores empresas do mundo e conheci altos executivos que nunca se graduaram e ainda assim lideravam milhares de profissionais e ajudaram milhões de consumidores a realizarem seus desejos. Desejos que esses sequer sabiam que tinham. A propósito, gosto sempre de citar o Steve Jobs, de quem não preciso dizer uma palavra: ele não tinha um diploma universitário.
Meus pensamentos hoje representam a minha indignação e cansaço, mas a oportunidade de escrever aqui e me expressar livremente, me faz sentir esperança em um mundo onde não precisaremos mais ter conversas como essa. Parece que ainda vai demorar um pouco, mas estou segura que estamos no caminho certo e eu, mesmo cansada, vou continuar falando.
Afinal, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, ou, em outras palavras, não percamos a tenacidade.
Amei! De verdade.
Os diferenciais estabelecidos forem bem pontuados sem acidez ou revolta, sobretudo de forma assertiva.
Obrigada.
Lavou-me a alma.