Sucesso e fracasso para além das metas

Carlos Netto, professor do Mackenzie, reflete sobre o impacto das metas no ambiente de trabalho e a importância de uma gestão consciente

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Este texto é dedicado aos que trabalham sob pressão de prazos curtos e metas apertadas em contextos imprevisíveis, mas que reconhecem o poder transformador das críticas. As linhas aqui escritas são para aqueles que acreditam no poder utilizado para servir e potencializar o coletivo, e não para explorá-lo. Só quem compreende as conexões entre crítica, liberdade, inteligência e subjetividade verá sentido nas reflexões oferecidas. Dito isso, falemos de metas.

Certa vez, Sigmar Malvezzi, professor de Psicologia Organizacional na Universidade de São Paulo, me disse: “Todo trabalho, absolutamente todo, tem um quê de sucesso e outro de fracasso. Não somos onipotentes. O fracasso será extremamente pedagógico, se tivermos a coragem de enfrentá-lo”. Quanto mais complexo o tema, maior a coragem exigida para oferecer um caminho possível. [Veja a aula A Psicologia da Meta, de Sigmar Marvezzi.]

Metas não deveriam ser um fim em si mesmas. Elas são antecedidas pelo processo de construção, que muitas vezes é obscuro para aqueles que devem cumpri-las. Metas deveriam ser o resultado de algo maior, subproduto de valores elevados. Um sábio xamânico dizia: “Somos água fluindo, porém não deveríamos permitir que o leito escravizasse o rio”. Os limites não podem escravizar os sentidos.

Quando se perde a razão de ser do trabalho e se cumprem apenas as metas, perdemos o que de melhor uma gestão responsável pode realizar. Se não compreendemos o valor social do trabalho e não potencializamos os vínculos com o cliente, perdemos nossa estatura humana. Quando o significado do que fazemos não está introjetado na ética profissional e somos guiados apenas pelos números a serem alcançados, há um esvaziamento da possibilidade de autorrealização.

Há quem defenda que um profissional de vendas não precisa de nada mais do que conhecer o produto. Saber o resultado esperado do seu trabalho e fazer o cliente consumir. Simples assim, mas isso desumaniza. Metas nunca deveriam surgir do acaso e ser entregues ao funcionário sem explicação. São resultados de processos que precisam ser explícitos. A falta de transparência pode causar efeitos perversos, inclusive na qualidade da venda.

Na origem das metas estão projeções de cenários macroeconômicos que dialogam com a necessidade de sustentação do empreendimento. Fatores como câmbio, inflação, atividade econômica, aquecimento dos níveis de emprego e renda, entre outros indicadores, são projetados na formulação estratégica.

Quanto mais lúcida a antecipação do futuro, baseada em projeções, melhor será o orçamento definido, fonte das metas. Orçamentos produzem metas. Metas sustentam orçamentos. Não se trata, para o bem da gestão, de ser otimista ou pessimista com o cenário macroeconômico, mas fundamentalmente lúcido.

Metas sempre serão resultados de um exercício técnico-projetivo. Se realizam ou não. Variáveis fazem parte da natureza do orçamento e suas respectivas metas. Qual a dificuldade de compartilhar com os funcionários como as metas foram concebidas? Muitos gestores não sabem o rumo da construção das metas até chegar ao que se espera de seu desempenho e da equipe.

Outro ponto relevante: como as metas são distribuídas para cada equipe? Se estão baseadas em indicadores projetados – que podem se confirmar ou não – seria razoável que flutuassem, para cima ou para baixo, como critério justo. Metas são revisadas, em inúmeros casos, apenas para cima, independente do que aconteça.

Empresas responsáveis cumprem o seu “Guidance”, divulgado ao mercado, mas também o ajustam quando necessário. Há fratura sobre o procedimento interno em relação ao que se espera das equipes. Nem sempre tratamos nossos credores da mesma forma como aqueles que nos devem. Trabalhadores perdem empregos por não cumprirem metas. Alguns adoecem, são tomados pela insônia e possuem atitudes que, normalmente, não teriam.

Organização alguma sobrevive sem metas claras e factíveis. Falar sobre elas é tão fundamental quanto explicitar sua natureza. Por que não dedicar tempo para explicitar a construção das metas? Compartilhar conhecimento para que os funcionários sejam mais críticos e autônomos em suas reflexões exige estatura da Alta Direção.

Gestores que sabem explicar para suas equipes, assim como para si próprios, a lógica dos indicadores relevantes não deveriam ser difíceis de encontrar. Raros são os treinamentos voltados para orientar equipes sobre essa lógica que precisa ser compreendida para que o trabalho faça sentido. Em primeiro plano, para oferecer real significado ao trabalho.

Trabalho é transformação. Aquilo que entregamos ao outro, através de nossa ação profissional, potencializa ou não quem recebe o serviço. Não há real compreensão de sentido sem uma lógica compreensível. Muitos são tentados a ordem restrita do: “faça!”. Não parece ser o suficiente.

Não há educação corporativa estratégica sem discutir a natureza das metas. Há equipes que se superam diante dos desafios. Outras jogam a toalha ao verem metas intransponíveis. Equipes que se unem através de lideranças compreensivas alcançam resultados. Outras se esfacelam na falta de gestão e liderança. Equipes adoecem. Qual o papel das metas nisso? Parte-se do princípio que foram bem construídas. Será?

Há tempos venho pensando nos males do poder institucional. Algo como: “não pense! A instituição já pensou por você”. Empresas possuem dirigentes que decidem e influenciam a natureza do espaço. Como explicou o geógrafo Milton Santos: “A natureza do espaço é dada pelas técnicas nele aplicadas”. O espaço organizacional é físico.

Para ser reconhecida como liderança, a Alta Gestão deve entender a dimensão humana, constituída por seres racionais que buscam compreensão. Construímos histórias e mitos para o que não compreendemos. Há uma necessidade latente de busca por sentidos. Compreensão é maturidade. Maturidade é saúde e saúde é desejável. Precisamos favorecer um espírito saudável nas organizações: pense na forma como metas são apresentadas. Eis o convite.

Quantas vezes você, no campo profissional, entendeu como um indicador chegou até você? Quantas vezes a instituição que colocou a meta diante de você mostrou como aquele número foi concebido? Não há trabalho inspirador – destino desejável – sem coerência no resultado esperado. A tradição escolar não nos ajuda. A vida cotidiana é um equilíbrio entre o que fazemos e o que esperam de nós.

O espaço da experiência cultural é o vínculo potencial entre o indivíduo e o meio. Transformamos e somos transformados. Abrir mão da compreensão e abster-se das capacidades racionais desumaniza. Sem generalizações, devemos ter a maturidade de entender que a meta pode ser uma forma de dominação. Realiza-se mais pela autoridade hierárquica do que pela consciência.

No fim do ano, muitas empresas revisam suas estratégias. Fica a sugestão de fazer de 2025 o “ano da consciência do significado do trabalho e da natureza da meta”. Os perigos da visão utilitária do indivíduo são evidentes. Perdemos o respeito genuíno pelo ser humano. O que conta é o apetite desmedido por mais.

O pecado não está em querer mais, mas na forma como a gula se mostra insaciável, queimando relações saudáveis. A falta de propósito desorganiza a trajetória. Vendas mal realizadas e fraudes têm campo fértil. Gestores fazem coisas que nunca fariam para cumprir metas. Casos de má conduta aparecem. Pergunto: vale a pena? Quem orienta a realizar algo no curto prazo pode não bancar a má conduta no futuro. A realidade se impõe e o mal feito aparece, cedo ou tarde.

Pensemos nisso, para o bem da saúde mental e respeito ao significado que o trabalho deve ter na vida humana.

(À Lítiza Bernardes, pelas conversas sobre temos sobre o tema há anos.)

Carlos Netto


Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor de “A arte nos sonha”. Foi diretor do Banco do Brasil por 11 anos, além de membro de Conselhos de Administração de várias organizações.

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