Marcela Lazaro discute como a revisão anual precisa integrar métricas humanas, cultura e saúde emocional para transformar 2026 em um ciclo mais seguro e sustentável
Em grande parte das empresas, a revisão anual humanizada ainda é exceção. O fechamento do ano costuma se concentrar em metas, produtividade e custos.
São avaliados o que foi entregue, o que não foi, o quanto a empresa avançou, se o orçamento previsto se confirmou. Esses dados são importantes e essenciais, mas insuficientes quando o que buscamos é desenvolvimento humano.
Os indicadores revelam resultados, mas silenciam aquilo que não cabe em planilhas: o medo que paralisou, o cansaço emocional que se acumulou, a motivação que oscilou, a falta de tempo para a vida pessoal, os ruídos de comunicação, os conflitos não resolvidos, as decisões que exigiram mais do que técnica.
Resultados são gráficos. Pessoas, não. Pessoas são histórias, feitas de contexto, de expectativas, de vulnerabilidades e de força.
Como RH, é importante olhar além dos números e ampliar o diagnóstico.
Rotatividade voluntária e seus motivos, por exemplo, falam mais sobre cultura do que sobre vagas em aberto. Absenteísmo e presenteísmo traduzem exaustão antes mesmo de um afastamento acontecer.
A qualidade das relações, sejam elas, entre colegas, áreas, líderes e liderados, é um dos termômetros mais silenciosos (e mais verdadeiros) sobre o que sustenta a saúde mental no ambiente corporativo: suporte ou pressão? Acolhimento ou silêncio?
Quando o RH olha para esses marcadores com profundidade, entende não apenas como as pessoas trabalharam, mas como se sentiram trabalhando. E é aí que a transformação começa.
Rituais de fechamento com significado
Se o mundo corporativo pede cada vez mais um olhar humano, encerrar o ano precisa ser mais do que um balanço operacional: precisa fazer sentido para quem construiu o caminho.
Uma roda de conversa com espaço de fala e escuta genuína cria vínculos e dá voz ao que costuma passar despercebido no ritmo acelerado. Reconhecimentos verdadeiros fortalecem o pertencimento e a autoestima coletiva.
É possível transformar a revisão anual humanizada em amadurecimento emocional, cultural e estratégico, a partir de perguntas como:
- O que aprendemos como time?
- O que precisamos soltar para seguir?
- O que queremos levar para o próximo ciclo?
É importante que o RH deixe claro o objetivo dessa retrospectiva, reforçando que todas as vozes importam. Quando trabalhadores se sentem seguros para falar, discordar, errar, pedir ajuda e dizer não, há cultura de segurança psicológica.
Equipes que silenciam, por medo de julgamento ou represália, adoecem por dentro antes mesmo que os indicadores mostrem. Por isso, o fechamento de ciclo ganha força quando o RH escolhe ouvir, perguntar e sustentar espaços reais de diálogo.
Como transformar reflexão em ação para 2026?
Se 2025 se encerra com metas, orçamentos e entregas, que 2026 comece com indicadores humanos, especialmente diante da obrigatoriedade da NR-1 e da necessidade de gestão dos riscos psicossociais.
Transformar reflexão em prática significa tirar o cuidado do campo da intenção e colocá-lo na rotina, criando programas contínuos de escuta e acolhimento; acompanhando de perto bem-estar e saúde emocional; desenvolvendo lideranças emocionalmente competentes; mantendo rituais de pausa; e desenhando programas de saúde integral e emocional, com apoio das áreas de Saúde e Segurança Ocupacional.
O RH, nesse cenário, deixa de ser executor de processos e assume seu lugar de provedor da cultura, garantindo que o que foi vivido, sentido e discutido no fechamento do ciclo se transforme em prática viva: mensurável, sustentável e transformadora.
Cuidado também é métrica. E alguns KPIs ajudam a acompanhar essa evolução:
- Índice de Engajamento em Bem-Estar
- Jornada de recuperação de afastamentos emocionais
- Percentual de retorno sustentável ao trabalho
- Taxa de rotatividade voluntária (turnover saudável)
- Adesão e uso de canais de acolhimento seguro
- Índice de fadiga e exaustão mental
- Relação entre produtividade x energia (erro operacional, retrabalho e foco)
Riscos Psicossociais e Felicidade no Trabalho — Conexão Estratégica
Risco psicossocial não é só um conceito normativo e em 2026 não será apenas auditoria. É diagnóstico humano. Os riscos acontecem onde há sobrecarga, metas inalcançáveis, insegurança e ausência de apoio.
Bem geridos, os riscos psicossociais abrem caminhos para amadurecimento de cultura, revisões de processos, conscientização de liderança e, por fim, vínculos mais saudáveis.
Quando uma organização atua para reduzir riscos psicossociais, ela não “cria felicidade”, ela cria condições para que ela exista. Felicidade no trabalho não significa entusiasmo constante. É sobre “poder ser”. Sobre sentir-se seguro para errar, aprender, crescer.
Ambientes emocionalmente seguros são férteis para inovação, conexão, produtividade e saúde. Onde há respeito e suporte, o trabalho deixa de ser apenas desempenho e passa a ser desenvolvimento.
Encerrar o ano com uma revisão anual humanizada é reconhecer que resultados importam, mas a forma como cada pessoa chegou até ele importa mais. O futuro das empresas precisa ser humano, ou não será sustentável.




