A advogada trabalhista Yara Leal analisa a PEC da escala 6×1, da deputada Erika Hilton, que propõe a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que sugere a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais – distribuídas em quatro dias de trabalho e três dias de descanso – levantou um debate importante sobre o futuro das relações de trabalho no Brasil.
A iniciativa foi recebida com entusiasmo por aqueles que acreditam que a mudança pode trazer uma série de benefícios, principalmente em termos de qualidade de vida. No entanto, é vista com ressalva por representantes do setor produtivo, que expressam preocupação com as implicações econômicas da proposta.
O modelo de jornada de trabalho no Brasil é o mesmo desde 1943. Ele estabelece 44 horas semanais de trabalho, distribuídas em seis dias (conhecido como escala 6×1), no qual o trabalhador tem apenas um dia de descanso durante a semana.
Há defensores da PEC no Congresso de diferentes partidos políticos. E o apelo das redes sociais, com o crescimento de movimentos como o “VAT – Vida Além do Trabalho”, fez a discussão tomar proporções nunca antes vistas em Brasília. Outras propostas parecidas estão paradas há décadas no legislativo, diferente do texto da deputada Erika Hilton – que já atingiu mais de 200 assinaturas de parlamentares, ultrapassando o mínimo necessário para começar a tramitar.
Os principais argumentos em defesa da proposta apontam que a legislação trabalhista está muito defasada e que a redução da jornada de trabalho trará dignidade aos trabalhadores, proporcionando mais tempo para estudos e aperfeiçoamento profissional, além de beneficiar a saúde mental e o convívio familiar. Vale lembrar que a proposta também destaca que a redução da carga horária não significa diminuição dos salários.
Pesquisas em países que adotaram a semana de trabalho de quatro dias sugerem que a produtividade aumenta quando o colaborador tem mais tempo para descansar, o que diminui o esgotamento – ou burnout – e as faltas no emprego. Países como Islândia e Nova Zelândia têm relatado resultados positivos da implementação de modelos de trabalho mais flexíveis, o que pode indicar uma tendência global.
Os críticos da PEC argumentam que a realidade econômica do Brasil – um país com dimensões continentais – varia em cada região e que a adoção de uma jornada reduzida pode ser fatal para pequenas e médias empresas. Para muitos empresários, uma diminuição de dias trabalhados pode significar um aumento nos custos com mão de obra, já que serão necessárias novas contratações para cobrir a carga completa de serviço, o que pode levar a um repasse de custos para o consumidor final.
De todo modo, a PEC ainda está em fase inicial de tramitação e o texto provavelmente será bastante alterado ao longo do processo legislativo. A proposta ainda precisa ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Depois, ela passará por outras comissões e chegará ao Senado, onde pode sofrer mais mudanças e ajustes antes de retornar à Câmara para, então, ter a aprovação final. Esse processo todo pode levar meses e até anos.
Nas comissões, os representantes dos empregadores e dos trabalhadores serão ouvidos e os argumentos contra e a favor da PEC serão discutidos. Esse diálogo é fundamental para ajustar a proposta às realidades econômicas e sociais do nosso país, considerando as necessidades de cada setor e a manutenção de serviços essenciais, como hospitais, que demandam funcionamento contínuo.
Ao propor uma reforma dessa magnitude, o Brasil encara uma oportunidade de repensar o modelo tradicional de trabalho, mas essa transição deve ser feita com cautela. A implementação dessa proposta dependerá de um esforço coletivo e de um debate maduro, no qual todos os lados possam expressar suas necessidades e preocupações.
Leia o texto da PEC do fim da escala 6×1 na íntegra
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2024 (Da Sra. Erika Hilton)
Dá nova redação ao inciso XIII, do artigo 7° da Constituição Federal para dispor sobre a redução da jornada de trabalho para quatro dias por semana no Brasil.
As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O inciso XIII do art. 7° passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art.7°………………………… XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;” (NR).
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor 360 dias após a data da sua publicação.
JUSTIFICATIVA
Esta emenda à Constituição surge a partir das demandas e reivindicações dos trabalhadores, por meio de mecanismos participativos, como a petição pública online do Movimento “Vida Além do Trabalho”, organizado pelo trabalhador Ricardo Azevedo, em que quase 800 mil brasileiros e brasileiras cobram do Congresso Nacional o fim da jornada 6×1 e adoção da jornada de trabalho de 4 dias na semana 1 , evidenciando a relevância e o respaldo significativo da sociedade em relação à necessidade de reformas na legislação trabalhista.
A alteração proposta à Constituição Federal reflete um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores, reconhecendo a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares.
Os empregados sempre buscaram reduzir o tempo de trabalho, sem ter seus salários diminuídos, por isso, cumpre ao Congresso Nacional avançar na redução da jornada de trabalho e propor medidas para impedir que empregadores subvertem os direitos ao tempo livre remunerado conquistado pelos trabalhadores. Na história brasileira das relações de trabalho, os conflitos e tensões em torno da jornada reduzida sempre foram alvo preferencial dos empregadores e empregados, não obstante, por meio da luta dos trabalhadores conquistaram-se o descanso semanal remunerado, férias, licenças maternidade e paternidade, abono de faltas e outros direitos.
Contudo, há resistências a esses avanços, em que se utiliza, por exemplo, o tempo livre conquistado pelos trabalhadores para benefício dos empregadores por meio da utilização de horas extras e banco de horas, visto que, muitas vezes, a flexibilização ignora o principal sintoma que precisa ser enfrentado.
As disputas pelo tempo de trabalho que precisam sempre ser atravessadas pelas dimensões do impacto econômico dessas decisões. A economista Marilane Teixeira, da UNICAMP, entende que com a adoção da redução da jornada de trabalho sem redução dos salários, como consequência teríamos o impulsionamento da economia brasileira e a redução de desigualdades, à medida que o aumento do consumo demandaria maior produção de serviços, resultando em mais contratações. Além de garantir mais postos de trabalhos, o que diminuiria os níveis de desemprego no país, para Marilane “Com jornadas menores, quem trabalha vai ter mais tempo para lazer, para os estudos, para a vida pessoal, vão aproveitar melhor o tempo, inclusive consumindo mais. A atividade econômica também melhorará” .
Os avanços de qualquer redução da jornada de trabalho foram conquistados no âmbito das negociações coletivas de trabalhos, num contexto de mobilizações que conseguiram furar o bloqueio patronal e negociar. Contudo, sob análise da redução de jornada legal de trabalho, compreende-se que, no marco da Constituição de 1988, em que o tempo de trabalho foi reduzido de 48h para 44 semanais, as outras grandes alterações na legislação do tempo de trabalho favoreceram os empresários em detrimento dos trabalhadores, como aconteceu em 2017.
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) demonstra em suas notas técnicas sobre a redução de jornada de trabalho que a situação atual no Brasil em relação ao tempo de trabalho é muito negativa para os trabalhadores. Pois temos uma situação de duração longa da jornada de trabalho (com as 44 horas semanais soma-se ainda a realização de horas extras), ritmo intenso de trabalho e flexibilização da jornada em favor dos empregadores.
É verdade que algumas categorias já conquistaram a redução da jornada de trabalho por meio da negociação coletiva. Em muitas outras categorias, a redução da jornada de trabalho incorporou-se definitivamente às pautas de reivindicações, como demonstra a adesão dos trabalhadores ao Movimento “Vida Além do Trabalho”. No entanto, o momento é o de transformar as garantias conquistadas por determinadas categorias profissionais em direito para todos os trabalhadores brasileiros, especialmente, requerendo o fim da escala 6×1 e adoção da jornada de 4 dias no Brasil. A situação atual explicita que é o momento de mais uma mudança na legislação, mas agora em favor dos trabalhadores, empregados e desempregados, que é a redução da jornada de trabalho sem redução de salário.
Uma redução legal da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais que abranja a todos os trabalhadores, pois todos necessitam ter mais tempo para a família, para se qualificar diante da crescente demanda patronal por maior qualificação, para ter uma vida melhor, com menos problemas de saúde e acidentes de trabalho – e mais dignidade. Diante disso, a mudança na legislação deve ser central para o Parlamento, pois, como visto anteriormente, este tema sofre forte resistência de alguns setores e a mudança legal precisa abranger todos os trabalhadores.
Um dos efeitos da redução da jornada de trabalho seria, além da inclusão de mais jovens nas atividades laborais4 , em decorrência da dinamização tecnológica de vários setores, a produção de cerca de 6 milhões de postos de empregos. Dessa maneira, a adoção de uma jornada de trabalho de quatro dias representa uma inovação significativa na gestão de recursos humanos, visando não apenas a melhoria do bem-estar dos trabalhadores, mas também a promoção de um aumento na produtividade e eficiência das empresas brasileiras.
A petição do Movimento “Vida Além do Trabalho” argumenta que é de conhecimento geral que a jornada de trabalho no Brasil frequentemente ultrapassa os limites razoáveis, sendo a escala de trabalho 6×1 uma das principais causas de exaustão física e mental dos trabalhadores. A carga horária imposta por essa escala/jornada afeta negativamente a qualidade de vida dos empregados, comprometendo sua saúde, bem-estar e as relações familiares.
Em razão desses fatores, deve-se reavaliar as práticas de trabalho que afetam a saúde e o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, especialmente a escala de trabalho 6×1 que impede até mesmo que os pais consigam ver seus filhos no dia-a-dia. Com a adoção da jornada de 4 dias permitirá tempo aos empregados para o acesso à saúde e ao lazer, garantindo menos estresse e fadiga dos empregados, em consequência, mais eficiência e agilidade nas atividades laborais.
Estamos em contexto em que a semana trabalho de 4 dias está sendo adotada em todo o mundo numa tentativa de melhorar a produtividade e o bem-estar no local de trabalho, pois além de ser bom para as empresas, é bom para os clientes e empregados. E no fim, bom para toda a sociedade, já que hoje temos grandes desafios em saúde mental por conta da carga horária excessiva de trabalho que impede uma vida além do trabalho.
Há 26 anos, foi mudada a jornada de trabalho de 48h para 44h semanais, e estamos partindo para uma atualização. A semana de 4 dias seria uma redução na semana de trabalho de 44 horas para 36 horas, de modo que se resguarde o mesmo salário e os benefícios dos trabalhadores atualmente.
A medida proposta nesta Lei alinha-se aos princípios de justiça social e desenvolvimento sustentável, buscando um equilíbrio entre as necessidades econômicas das empresas e o direito dos trabalhadores a uma vida digna e a condições de trabalho que favoreçam sua saúde e bem-estar.
No Brasil, o programa piloto de implementação de jornada de 4 dias começou a ser realizado pela Reconnect Happiness at Work em parceria com a 4 Day Week Global e Boston College, e teve seu início em setembro de 2023. Cerca de 22 empresas com até 250 colaboradores aderiram à iniciativa, em que os resultados do projeto no país, apresentam projeções importantes para a transição das jornadas de trabalho para o modelo de 4 dias, em que é possível observar menor número de faltas dos empregados e produtividade em alta, em razão da adoção de estratégias de organizações funcionais para o modelo da empresa.
Os resultados do programa piloto do Reino Unido (2023), por exemplo, são muito relevantes para comparar esses experiências brasileiras: i) 2900 colaboradores de 61 empresas participaram da proposta; ii) 92% das empresas continuarão com semana 4 dias após o término da avaliação; iii) 39% dos colaboradores se sentiram menos estressados; iv) 71% reduziram sintomas de burnout; v) 54% achou mais fácil conciliar vida pessoal e profissional. Um dos mais significativos impactos mensurados foi o aumento de 1.4% na receita comparando com período similar de anos anteriores. A receita das empresas aumentaram em média 35%. Além disso, o turnover (que seria a taxa de rotatividade dos empregados) reduziu 57% no período do programa-piloto.
A possibilidade de redução da jornada com manutenção do salário reflete um compromisso com a preservação do poder de compra e a estabilidade econômica dos trabalhadores, essenciais para o sustento de suas famílias e para a dinamização da economia como um todo. Assim como, a mudança da jornada de trabalho deve garantir que não resulte aos trabalhadores a diminuição proporcional dos salários, salvaguardando assim os direitos e a remuneração dos trabalhadores.
A definição de valor salarial visa proteger o trabalhador de qualquer tentativa de redução indireta de remuneração, assegurando que a base de cálculo para a remuneração na jornada reduzida seja o salário habitualmente recebido, fortalecendo assim os direitos trabalhistas.
Finalmente, a iniciativa legislativa aqui apresentada posiciona o Brasil na vanguarda das discussões sobre o futuro do trabalho, alinhando as práticas trabalhistas do país às tendências globais de flexibilização e humanização dos ambientes de trabalho. Tal abordagem não apenas beneficia os trabalhadores, promovendo saúde, bem-estar e maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, mas também oferece às empresas a oportunidade de inovar em suas práticas de gestão, potencializando a produtividade, a criatividade, a satisfação dos empregados e o aumento de vagas de empregos.
Esta emenda à constituição, portanto, é um passo importante na construção de um mercado de trabalho mais justo, sustentável e adaptável às rápidas mudanças do século XXI, assegurando que o progresso econômico do Brasil seja alcançado de maneira inclusiva e equitativa, respeitando as necessidades e o bem-estar de sua força de trabalho. Frente ao exposto, solicitamos, então, apoio aos nobres pares para a aprovação desta proposição.
Erika Hilton — Deputada Federal (PSOL-SP).