Em sua estreia na Today, Patrick Schneider escreve sobre a necessidade de repensar as relações de trabalho e o conceito de mundo organizacional
Em 2010, após uma difícil decisão de carreira, rumei para o outro lado do planeta em busca de seis meses de oxigenação profissional, desenvolvimento de idioma e interação com uma nova cultura. O destino foi a Nova Zelândia e sua cidade de Auckland, posicionada exatamente no paralelo 30, que também passa por Porto Alegre, minha terra natal.
Quando deixei o Brasil, o fiz porque, também, vinha de uma experiência frustrante como líder de Responsabilidade Social Empresarial dentro de um importante grupo de mídia da Região Sul do país. Meu desejo era o de causar impacto e inclusão social através do mercado de trabalho, algo parcialmente na contramão das intenções dos anuários que reportavam os feitos de minha área.
Na época em que morei na Nova Zelândia tive ainda o privilégio de frequentar as aulas da extensão em comportamento organizacional na University of Auckland, espaço onde, com alunos de distintas localidades do planeta, ouvíamos e refletíamos sobre as explanações do professor Carl Springsteen, lamentavelmente uma das muitas baixas no primeiro ano da pandemia do vírus Sars-cov-2.
Na sua visão, um dos erros cometidos por nós latinos é acreditarmos que exista de fato um espaço organizado dentro de empresas que poderia ser elevado ao patamar de mundo. Mundo, para ele, era algo muito mais complexo, plural, efervescente, dinâmico, desorganizado, ao mesmo tempo tão repleto de ritos e símbolos ordenados e que não dependiam de políticas escritas para serem seguidas à risca, por uma população viva, mutante, empática, ávida por desafiar a si mesma e ao ecossistema ao redor.
Mundo organizacional, em seu ponto de vista, era uma tentativa quase desesperada de afastar-se de todos estes movimentos orgânicos, estabelecendo uma realidade paralela vivida apenas por uma porção pequena do planeta, ainda que esta parcela seja de algumas dezenas de milhares de pessoas dentro da mesma estrutura organizacional, forçados a repetição diária de uma cultura inata para a maioria dos que ali regressavam todos os dias sem bem entender o porquê, se não pela remuneração recebida.
Meu impulso de discordância era freado pelo propósito da viagem e a intenção de voltar com ar fresco nos pulmões, além da necessidade de solidificação daquela mensagem recebida de uma pessoa que me instigava a retornar semanalmente e ouvir mais a cada encontro.
A verdade é que hoje, ao olhar para os treze anos que separam o profissional de agora daquele que desembarcou em Auckland, nunca as palavras do professor fizeram tanto sentido. Hoje, a Responsabilidade Social Empresarial tornou-se a bisavó de Diversidade, Equidade e Inclusão.
O impacto proporcionado pela área, não só no ambiente de trabalho, mas também na sociedade, vem modificando a demografia de centros urbanos que aglomeram escritórios de importantes marcas nos segmentos em que atuam. Ainda que ao pensarmos no futuro do trabalho, este seja recorrentemente confundido com futuro dos escritórios, futuro das profissões ou futuro das organizações, elemento que de modo simplista limita a visão das áreas de RH mais desavisadas quanto ao tamanho do impacto que se avizinha.
Ao invés de prepotentemente tentarmos falar de temas os quais somos inatos, há uma demanda fundamental em pensarmos na sociedade e nos desafios complexos que se aproximam a passos largos. Na academia, como pesquisador na linha de futuro do trabalho, me permito não evoluir muitos passos dentro da temática de renda básica universal, por exemplo, em detrimento da supressão de postos de trabalho pela escalada tecnológica e o faço intencionalmente.
Para mim, o tema aponta para uma falência precoce ante toda a potência adaptativa de nossa espécie que mudou o mundo ao nosso redor, e que partiu daquilo que era limitado a sua sobrevivência, até a criação de tecnologias complexas que nos permitem quase que sonhar ilimitadamente.
Pensar no mundo organizacional aporta uma chancela de que temos a chave de um portal que define quem passa e quem não por ele. O intento de transformação exige debatermos quiet quitting e great resignation à luz de nossa falha maiúscula enquanto área de gestão de pessoas, enquanto lideranças empresariais e, ao fim, enquanto espaços organizacionais que não foram capazes de delimitar razões pelas quais seriam boas alternativas para que as pessoas trocassem seu tempo de vida e conhecimento coletado ao longo da carreira pela concretização de estratégias institucionais.
Mesmo indo para o outro lado do planeta, em larga medida, é muito difícil nos propormos a ocupar uma distinta posição social que nos permita ver o mundo através de uma perspectiva diferente e, mais ainda, a relação de trabalho para além dos cargos ocupados, organogramas, centros de poder e posicionamento organizacional.
O fato é que cada vez mais as posições de liderança serão ocupadas por seres humanos hábeis em posicionar-se em um novo locus, seja enxergando novos caminhos ou abrindo portas para que pessoas de posições sociais diferentes possam integrar este ambiente.
O processo de relocalização puxado pela desaceleração da globalização, exigirá, e muito, a absorção de pontos de vista divergentes dentro do mesmo espaço. Isso, inclusive, é apontado por muitos autores sobre o futuro do trabalho como a pedra angular de tudo o que definirá os rumos do mercado laboral em um vindouro amanhã, que nas palavras da filósofa Hannah Arendt, “está em gestação nada silenciosa”.
São estes movimentos que buscarei compartilhar através deste artigo mensal na Think Work, convidando todas as pessoas interessadas a decifrarmos os sinais que estão ao nosso redor na sociedade e que poderão sedimentar as revoluções já em curso que definirão o futuro do trabalho em suas mais distintas camadas e pela ótica de autores e pensadores contemporâneos do assunto.
Muito bom, parabéns pelo texto
Excelente texto.