O escândalo da Caixa e o detox corporativo

A intoxicação corporativa pode ser lenta e difícil de reconhecer, mas nem por isso menos destrutiva, escreve José Renato Domingues para a Today

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O conceito de alimentos e bebidas “detox” surgiu como uma alternativa rápida, fácil de fazer e com resultados imediatos. A promessa do detox é reduzir ou eliminar o excesso de toxinas que se acumulam no organismo e que causam mal-estar no curto prazo e aceleram o envelhecimento e a morte prematura depois de muitos anos. Vou parar por aqui em termos de nutrição e traçar um paralelo com o nosso ambiente de trabalho. E vou usar para isso um caso de grande visibilidade na mídia: as denúncias e a demissão do presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães.

A cobertura pela imprensa foi extensa, portanto não vou me aprofundar nos detalhes do caso e sim explorar a dimensão organizacional dele para nossos leitores aqui na ThinkWork. E essa história revela um nível de toxicidade absurda no ambiente corporativo da Caixa, seja pelo período longo de tempo em que os abusos de poder e o assédio sexual às mulheres ocorreram, seja pela amplitude de descaminhos ocorrida, com assédio moral, falta de conduta ética e total desobediência aos mínimos padrões de civilidade que se esperam em uma grande organização, entre eles o de não xingar e não humilhar colegas da mesma empresa, seja qual for o nível.

Por se tratar de uma empresa pública, que atende a milhões de brasileiros, com dezenas de milhares de profissionais no país inteiro, me surpreendi por nunca ter ouvido falar desse comportamento irresponsável e deletério do seu presidente. Mas, o que os relatos mostram é que eram visíveis e amplamente discutidas as suas frequentes ocorrências. Ou seja, por muito tempo se aceitou que um executivo nesse nível de responsabilidade e visibilidade tivesse essa conduta. O argumento é que o medo de represálias e punições prevaleceu ante o nojo e repulsa em relação aos fatos. O medo é, sim, uma força poderosa que orienta o comportamento humano. 

Na Caixa, assim como nas maiores e melhores empresas, no entanto, há processos bem desenhados, auditados e aprovados (regras de compliance) que visam justamente dar segurança e apoio para que esses receios sejam minimizados. Não foram suficientes.

A outra surpresa que tive foi ouvir relatos de pessoas do setor financeiro de que Pedro Guimarães já tinha um histórico desses desvios de conduta há anos, décadas até. O que o levou, inclusive, a perder empregos no setor privado, mas não o impediu de continuar atuando no mercado a ponto de construir uma reputação de destaque. Suas experiências mais bem avaliadas “suavizavam” esse histórico de agressividade e impulsividade contra colegas, concorrentes e parceiros. Os resultados conseguidos através de coerção eram mais importantes do que as denúncias sobre a forma como esses mesmos resultados foram obtidos.

Aqui, aparece um padrão que não é exclusivo do mercado financeiro. Líderes em diversos níveis dão mais valor a quem entrega resultado – mesmo que haja controvérsia sobre o perfil comportamental de quem os entregou. Não há nada de errado em valorizar quem traz dinheiro, negócios, corta custos e performa bem. Mas vai ficando claro ao mundo corporativo que a sociedade e as pessoas não querem que isso valha mais que as chamadas “soft skills”, ou seja, as atitudes cotidianas e as competências comportamentais. Tem que ter o mesmo peso. Em muitos negócios e situações, precisam valer mais. A forma como se comporta um executivo é motivo de orgulho ou vergonha de seus colegas e isso é tão crítico quanto o que ele cria de valor econômico para o negócio. 

No caso da intoxicação biológica, os sintomas de altos níveis de toxina são rápidos e muito desconfortáveis, exigindo uma correção que os alivie. No caso corporativo, não. Esse caso mostrou que os sintomas desagradáveis foram sendo ignorados por décadas e por muitas pessoas. Aí entra uma personagem chave nas estruturas organizacionais onde pessoas como Pedro Guimarães prosperam: o CHRO, o Vice-Presidente de Pessoas, o Diretor de RH. É seu papel não deixar que pessoas assim avancem na carreira. É seu papel criar processos de seleção que não aceitem a desproporção entre entrega de resultados e perfil comportamental. É seu dever formar líderes que não promovam e não deixem avançar essas atitudes. E, se tudo isso ainda falhar, é sua responsabilidade denunciar, subir aos mais elevados níveis de gestão e governança e delatar o que está ocorrendo. 

O caso da Caixa demonstra que estamos falhando nessa missão. O caso da Caixa traz à luz o quão corrompido e tóxico está o nosso ambiente empresarial a ponto de deixar que pessoas com essas práticas regulares por anos se tornem presidentes de empresas. O caso da Caixa traz a urgência de que os profissionais sérios e competentes de gestão de pessoas se transformem no detox necessário para eliminar essa toxicidade dos nossos negócios. E essa ação precisa ser rápida e desconfortável o suficiente para que as empresas mudem.

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<strong>José Renato Domingues</strong>
José Renato Domingues

É conselheiro, executivo e investidor anjo em startups. Atua como conselheiro de administração em grandes empresas e é vice-presidente corporativo na holding da CTG. Escreve sobre as mudanças na sociedade para a Think Work.

Comentários O escândalo da Caixa e o detox corporativo

  1. Davi Bufalo disse:

    Muito bom o artigo. Vejo também não como responsabilidade exclusiva do/a CHRO mas também como uma
    Parceria entre os times Jurídicos, de Compliance e até de ESG. Unir forças aqui é fundamental.

  2. José Renato Domingues disse:

    Obrigado pelo comentário, Davi… concordo com voce que a inclusão desses outros atores contribui tambem. Mas o CHRO é o responsavel final pela jornada das pessoas na empresa (do começo ao fim) e, por isso, pode definir perfis e competências que excluam esses maus líderes ao longo de suas carreiras nas empresas.

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