Em seu artigo de estreia para a Today, Ana Paula Franzoti escreve sobre as injustiças e a luta das mulheres no mercado de trabalho
Recentemente fui convidada para participar da 67º Comissão sobre a Situação das Mulheres (Commission on the Status of Women – CSW), na Sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Durante 10 dias (de 06 a 17 de março), líderes mundiais, ONGs, empresas, parceiros das Nações Unidas e ativistas de todo o globo estiveram juntos para discutir a situação das mulheres no mundo, os avanços feitos e os gritos de alerta sobre o que não tem evoluído.
Tive a oportunidade de participar da discussão sobre inovação, mudança tecnológica e educação na era digital para alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas.
É claro que foi uma alegria sem tamanho poder estar nesta discussão poderosíssima sobre a equidade de gênero, em um mês tão importante para todas as mulheres, ainda mais na ONU. Ouvi mulheres fenomenais… Ouvi dados que ainda chocam e vi muita gente incrível querendo e fazendo diferença. Sem dúvidas continua sendo uma agenda mais que urgente: por mais que já tenhamos evoluções, ainda há muito a se fazer.
Gostaria de dividir aqui, no meu primeiro artigo neste espaço, algumas falas que me tocaram e, algumas reflexões:
• Embora estejamos mundialmente conectados, 37% das mulheres não têm acesso à internet;
• As meninas sofrem cada vez mais cedo assédio virtual – a idade mais nova registrada é 8 anos;
• 44% das inteligências artificiais desenvolvidas em 144 sistemas têm viés de gênero;
• Nas carreiras de tecnologia, ciência, matemática… uma mulher consegue emprego para cada cinco homens;
• 2,5 milhões de pessoas não têm acesso ao sistema financeiro… 62% são mulheres. Vale citar que as pessoas negras têm 4x mais chances e ter o crédito negado do que uma pessoa branca nas mesmas condições;
• Mulheres ainda vivem a subjetividade que as expulsam do mundo corporativo: a do olhar que diminui, a da interrupção da fala, entre outras;
• Falamos de evasão escolar, mas precisamos falar de “expulsão” escolar.
Diante destes dados que são globais e, quando olhamos para as organizações, os temas Equidade, Diversidade e Inclusão, por toda sua amplitude social e riqueza de entendimentos e aprendizados, não podem estar restritos apenas à área de gestão de pessoas. É algo maior, que precisa do envolvimento e aderência de toda organização para pôr em prática e ampliar o poder de transformar pelo acesso ao conhecimento, pela empatia e pelo respeito.
A experiência de fazer esta análise e trazer para todos os processos perspectivas mais diversas amplia horizontes e nos traz novas demandas que também urgem por ser endereçadas, como por exemplo, a interseccionalidade.
Sobre isso ainda há muito trabalho a ser feito e o cenário é desafiador. Segundo a pesquisa Ads For Equality (2023), mulheres representam 51% da população brasileira, 45% delas são chefes de família e uma em cada dez mulheres pagam todas as despesas de casa sozinhas. Ao passo que, em média, ganham 20% a menos do que os homens e gastam por volta de 7% a mais de tempo em cuidados não remunerados e trabalhos domésticos.
Com relação à empregabilidade, em 2022, a participação de mulheres no mercado de trabalho foi 20% inferior à dos homens. Quando fazemos recortes, esses indicadores se tornam mais dramáticos: sete em cada dez pessoas com deficiência estão fora do mercado de trabalho. Dentre aquelas que estão empregadas, apenas 30% são mulheres. A população negra também enfrenta dificuldades, onde 60% das pessoas estão em trabalhos informais, apenas 6,3% estão em cargos gerenciais e em menos de 5% das posições executivas. Para mulheres em espaços de liderança, este número cai para 3%.
Outros dados relevantes para refletir: 54% das pessoas LGBTQIAP+ não se sentem confortáveis para falar sobre sua orientação sexual no trabalho, 33% das empresas no Brasil não contratariam pessoas LGBTQIAP+ para cargos de liderança, apenas 4% da população trans têm emprego formal e travestis e mulheres trans têm até 38 vezes mais chances de serem assassinadas que homens trans, pessoas trans masculinas e pessoas não binárias.
Ao oferecer soluções e iniciativas que façam sentido para essas mulheres, nos conectamos com consumidoras, uma vez que, no Brasil, além de representarem 51% da população, nove em cada dez mulheres acreditam que existem benefícios quando organizações priorizam ED&I e preferem comprar de marcas que promovam diversidade e aceitariam pagar mais caro em produtos que apoiam a temática.
Fiquei muito reflexiva, nós evoluímos muito, mas ainda há MUITO o que fazer. Todos os dias… Um pouco mais, muito mais, mas precisa ser feito! É preciso desenvolver um senso crítico profundo e um “desapego” essencial para olhar os processos chave e assumir que podem existir vieses inconscientes que atuam de maneira assertiva e decisiva em contratações, promoções e desenvolvimento de mulheres. Quando digo “desapego”, chamo a atenção para irmos para um lugar de solução e não de insistência em processos que promovem nossa “involução” ou o bloqueio para a evolução no mundo do trabalho.
É preciso agir de forma urgente… Não existe mais espaço só para discutirmos. É preciso fazer!