Liderança e reconhecimento emocional: para além da empatia

Robson Gonçalves convida líderes a repensar a empatia e abraçar o reconhecimento emocional como caminho para relações mais autênticas

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A importância da empatia para a liderança é bem conhecida. Procurar “se colocar no lugar do outro” para compreender melhor o que se passa com ele ou ela humaniza e torna mais efetivo seu exercício. Então, depois de tudo o que já sabemos, ainda haveria algo mais a dizer? Do ponto de vista da neuropsicanálise, sim.

Uma coisa que intrigava Freud era que certas pessoas, principalmente as vítimas de trauma, não seguiam o princípio do prazer. Elas, às vezes, insistiam em reviver memórias terríveis de uma maneira compulsiva. Em seu livro “Além do Princípio do Prazer” (1920), ele concluiu que, não raro, nosso inconsciente nos leva a ter comportamentos destrutivos em relação a nós mesmos e aos outros. Basta pensar em quantas pessoas se autossabotam ao longo da carreira para concluir que isso que ele chamou de “pulsão de morte” é, de fato, importante.

Mas, o que isso tem a ver com empatia? Para começar, não existe empatia de fato sem um bom repertório de memórias afetivas. Afetos que não experimentamos se tornam quase impossíveis de identificar nos outros. É em nosso próprio repertório que buscamos, por associação, o significado dos estados afetivos que, na empatia, tentamos identificar. 

O problema é que muitas de nossas experiências afetivas são guardadas em estruturas cerebrais abaixo do córtex, ou seja, de modo implícito, fragmentado ou até totalmente inconsciente. Boas e más lembranças são acionadas, em muitos casos, de um modo que afeta nosso estado mental e corporal, mas sem que saibamos exatamente o porquê, como nos pacientes traumatizados de Freud.

Então, imagine que um colega lhe diga: “Minha mãe morreu ontem”. O que essa frase desperta em nós? Como diria Lacan, ela não passa de um significante cujo conteúdo vai nos afetar a depender de nossa própria vivência com os termos “minha”, “mãe”, “morreu” e “ontem”, devidamente encadeados. Pode ser que, vendo essa pessoa triste e desmotivada, digamos: “Eu sei como você se sente”. Mas, na verdade, o correto seria dizer “Eu sinto algo em mim quando você diz isso, porque já vivi uma situação parecida”.  

Então, para ir além do princípio da empatia, o melhor seria utilizar o termo reconhecimento emocional. O colega cuja mãe morreu está triste e desmotivado. E, se tivermos um bom repertório afetivo, podemos imaginar como isso deve afetá-lo, mesmo que a partir de nossas próprias experiências. É muito impreciso dizer “sei como a pessoa se sente”. É bem mais razoável dizer: “Consigo imaginar como uma pessoa em luto, triste e desmotivada vai se comportar”. 

A partir daí, do ponto de vista comportamental, o desafio passa para o campo do chamado trabalho afetivo. Esse é o nome dado ao esforço que fazemos para adequar a expressão de nossos estados emocionais a cada ambiente ou contexto, os chamados regimes afetivos

Pense nos comportamentos e expressões que são adequados em um estádio de futebol – esse é um regime. Agora pense no que é razoável na casa de uma velha tia – esse é outro. O trabalho emocional consiste na tentativa direcionada e consciente de nos ajustarmos a cada um desses regimes emocionais, modulando comportamentos, falas e expressões.

Pois então… A empatia só não basta. Além dos limites mencionados, ela exige do líder que se comporte de acordo. Cada situação e objetivo específicos exigem um trabalho afetivo voltado a ajustar a liderança ao respectivo regime.

Um contexto motivacional, por exemplo, requer que esse líder não apenas procure identificar até que ponto realmente está conseguindo motivar os liderados. Consultando seu repertório, ele deve procurar expressar as emoções relacionadas ao objetivo: determinação, coragem, espírito de equipe e o que mais for adequado. Tudo muda em uma reunião na qual um feedback difícil deve ser passado – o regime afetivo é bem outro.

Mas, voltando a Freud e à neurociência, é preciso redobrar a atenção. Não somos nós que temos emoções; são elas que nos têm. Então, muitas vezes, a tal “liderança empática” falha terrivelmente pelo simples fato de que, querendo ser empáticos, acabamos interpretando os estados afetivos dos outros através de nossas próprias experiências de modo inconsciente. E estas, por sua vez, podem ser dissonantes em relação ao objetivo da liderança. Por isso, a grande sugestão é: exercitar o reconhecimento emocional ao máximo, começando por nosso próprio estoque de afetos e suas formas de expressão. Isso torna o trabalho afetivo típico da liderança mais leve e eficaz.

Foto de Robson Gonçalves

Robson Gonçalves

Economista comportamental e neuropsicanalista, coordena os cursos de Neurobusiness da Fundação Getulio Vargas. Na Think Work, escreve sobre neurociência, liderança e relações humanas nas organizações.

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