Great Attrition: o atrito que pode transformar a gestão de RH

Como o grande desgaste entre profissionais e empresas no pós-pandemia pode ser a chave para repensar a gestão e o futuro do trabalho

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No mundo do trabalho atual, muitas expressões são criadas para definir algum fenômeno, mas nem sempre elas têm o poder de indicar possíveis soluções. O mais novo termo é o Great Attrition, uma espécie de catalisador de outros movimentos que vieram no pós-pandemia, refletindo o desejo de mudança por parte dos profissionais que passaram a reavaliar suas vidas dentro e fora do trabalho a partir do que desejam e do que é oferecido pelas empresas. Uma questão ainda pouco explorada em relação a esse grande atrito ou desgaste é como usar essa força de mudança para tirar as camadas de gestão que não funcionam mais da superfície.

Ultimamente, é possível perceber um certo descompasso entre o que os trabalhadores querem e o que as organizações oferecem ou procuram. Um levantamento do Gartner, por exemplo, mostra que 58% das companhias se dizem confiantes sobre o sucesso em relação às metas de performance no próximo ano. Mas, se para elas, os números serão atingidos, pelo lado dos funcionários esse futuro não se apresenta tão certo assim: 45% temem não conseguir o nível atual de desempenho durante os próximos doze meses. O desalinhamento não para nem começa aí. 

Passados os tempos sombrios da covid-19, muitas organizações retomaram a um momento que já não mais existia. A volta para o ambiente presencial em sua totalidade de tempo, por exemplo, já mostrava algumas tensões que viriam a se acentuar. Dados do Great Place to Work demonstraram, já em 2021, que 64,7% dos trabalhadores preferiam o trabalho híbrido, enquanto apenas 16,4% optavam pelo modelo remoto e 11,3%, pelo presencial.

Nesse retorno pós-pandêmico, surgem os primeiros sinais do descompasso com, nos Estados Unidos, o fenômeno da Great Resignation (Grande Resignação). Milhares de trabalhadores deixaram seus empregos sem terem outros em vista numa espécie de protesto por não verem seus anseios por maior flexibilidade e autonomia atendidos por suas empresas. Por lá, estima-se que, em 2021, mais de 47 milhões de pessoas pediram demissão voluntariamente. Um estudo da Gallup revelou que 48% da população americana estava ativamente buscando ou observando novas oportunidades de trabalho naquele mesmo ano.

A grande resignação não foi o único um fenômeno global sobre as insatisfações profundas das pessoas com seus empregadores e a busca por algo mais significativo na carreira. Na Quiet Quitting (ou demissão silenciosa), os indivíduos limitaram-se a fazer apenas o necessário para cumprir suas funções dentro da descrição do cargo. Deixaram de se engajar ativamente com suas atividades e com suas carreiras, evitando fazer mais do que o esperado, criando uma massa de desengajamento preocupante.

Na tentativa de reverter esses cenários, muitas companhias ainda adotam métodos tradicionais para atrair e reter talentos nesse novo mundo do trabalho. Estratégias como melhorar a remuneração continuam sendo importantes para os chamados trabalhadores tradicionais. Porém, no pós-covid, o mundo e os talentos (e seus desejos) são outros. Daí as rusgas, os conflitos, o desgaste.

Esses e outros movimentos resultantes do descompasso entre o que a companhia oferece e espera receber de seus profissionais e o que esses desejam ter em troca chegam agora a um desgaste preocupante – ou a um atrito capaz de produzir uma fagulha de mudança.

Falta para as organizações um olhar mais atento para quem a compõe. É preciso aproveitar esse momento para “raspar” da gestão e da vida na empresa as práticas e crenças que não fazem mais sentido, que fazem com que o engajamento e a produtividade ainda tropecem no ritmo acelerado que os novos tempos demandam. Para isso, é preciso envolver mais a liderança para o fortalecimento de laços pessoais fortes, fortalecer a cultura e o propósito da organização e compartilhá-lo genuinamente no dia a dia. É repensar o Employee Value Proposition (EVP, ou Proposta de Valor ao Empregado) nesse novo cenário, antes que a empresa evapore.

Assim como nos primórdios da história da humanidade, que buscava o fogo por meio da fricção entre gravetos ou pedras, muitos gestores devem entender como fazer com que desse novo atrito surja a faísca para iluminar a nova gestão e os novos negócios. O grande desgaste traz consigo uma saída.

<strong>Rafael Souto</strong>
Rafael Souto

Fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado e membro do conselho da AMCHAM, é referência nacional no tema carreira e ministra palestras sobre o assunto.

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