Exaustão no trabalho: burnout ganha status de problema de saúde pública

Yara Leal trata da reclassificação de burnout como doença ocupacional, sua entrada em vigor no Brasil e como essa alteração reforça a urgência de mudanças no mundo do trabalho 

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A reclassificação do burnout pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença ocupacional não é apenas uma mudança burocrática, mas um reconhecimento da realidade que já se impõe há anos nos ambientes de trabalho: o esgotamento profissional é uma crise de saúde pública. A nova classificação entrou em vigor no Brasil no início de 2025 e estabelece novos direitos para trabalhadores que enfrentam a síndrome.

A partir de agora, trabalhadores brasileiros diagnosticados com burnout terão a inscrição do código QD85 da CID-11 (Classificação Internacional de Doenças) nos seus atestados médicos. 

Isso significa que passam a ter os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários previstos para outras doenças ocupacionais. Se antes a síndrome era muitas vezes confundida com depressão ou ansiedade e tratada de forma genérica, agora ganha contornos mais definidos e um respaldo legal que pode impactar diretamente a forma como empresas lidam com a saúde mental de seus funcionários.

De acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), cerca de 30% dos trabalhadores no Brasil sofrem com a doença, e o nosso país ocupa a segunda posição mundial em número de casos. São pessoas que lidam diariamente com sintomas como insônia, exaustão extrema, alterações de humor, dores musculares e até problemas cardíacos desencadeados pela sobrecarga e pela pressão do ambiente profissional. 

O avanço jurídico é muito bem-vindo, mas não resolve o problema por si só. O reconhecimento do burnout como uma doença ocupacional lança um novo olhar sobre a responsabilidade das empresas na prevenção e mitigação do problema. 

A inserção do código QD85 pode servir como um alerta para que organizações desenvolvam estratégias eficazes de cuidado com seus colaboradores. Afinal, as empresas não podem mais alegar desconhecimento ou negligência – fora todo respaldo jurídico para responsabilização legal caso medidas não sejam adotadas.

Em um cenário onde a cultura do excesso predomina, algumas organizações ainda enxergam o burnout como uma questão individual, que deve ser resolvida com medicação e terapia, sem qualquer reformulação estrutural. Mas o fato é que se a doença está diretamente ligada ao ambiente de trabalho, cabe às empresas investirem na construção de espaços mais saudáveis. Isso inclui políticas de carga horária equilibrada, remuneração justa, incentivo ao descanso, ambientes menos hostis e a criação de uma cultura organizacional que valorize o bem-estar tanto quanto a produtividade.

A grande questão que a reclassificação traz à tona é que o burnout não pode mais ser visto como um problema isolado, exclusivo de algumas profissões mais exigentes ou de indivíduos “menos resilientes”. Ele é o reflexo de um sistema que exalta o trabalho sem limites e normaliza o esgotamento como prova de dedicação. 

O fato de estar categorizado como uma doença ocupacional reforça a urgência de mudanças no mundo do trabalho. Se há algo que precisa de tratamento, não é apenas o indivíduo, mas todo o modelo que sustenta esse ciclo de adoecimento.

Fique atento. Se a sua empresa tem algum caso de afastamento por burnout, busque ajuda especializada. Promover um ambiente saudável e cuidar da saúde mental no trabalho não é um luxo, mas um direito dos trabalhadores. 

Definição de burnout no trabalho de acordo com a classificação da OMS, em tradução livre:

É uma síndrome conceituada como resultante de estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. Caracteriza-se por três dimensões: 

  1. Sentimentos de exaustão ou esgotamento de energia; 
  2. Aumento do distanciamento mental em relação ao trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho; 
  3. Uma sensação de ineficácia e falta de realização. O burnout se refere especificamente a fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida.

Yara Leal

Especialista em Direito Trabalhista e sócia do escritório Higasi, Shimada, Leal & Guimarães Advogados Associados. Na Think Workresponde perguntas sobre legislação e Direito do Trabalho enviadas pelos leitores.

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