Desconhecimento: um motor para o futuro do trabalho

‘Só sei que nada sei’, já diria Sócrates, uma máxima que é útil até hoje, pois não saber é condição fundamental para aprender e construir conhecimentos aprofundados, os ativos mais importantes para o profissional do amanhã

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Nos movemos como insetos ao redor de uma lâmpada sempre que surge uma nova tecnologia. Embora a capacidade de novas lâmpadas se acenderem em meio a espaços de escuridão tecnológica tenha sido ampliado em uma escala inimaginável há uma década, nos faltam asas para acompanhar essa evolução acelerada. 

De fato, é e será cada vez mais inviável termos visibilidade de todas as novas funcionalidades à disposição no mundo. Não é este o ponto que mais me captura. O que mais me deixa alerta é a baixa profundidade em que, por falta de tempo ou da possibilidade de acessar em detalhes o que as novas aplicações podem nos oferecer, os profissionais das mais diversas áreas acabam por colocar-se. 

Daqui para a frente, dificilmente teremos super experts em temas pontuais. Exceto, potencialmente, pelos cientistas contemporâneos que venham a descobrir uma nova cadeia cromossômica dentro do DNA em um futuro do trabalho com atenção cada vez mais difusa. Estas serão as pessoas que farão a humanidade seguir evoluindo. 

Apesar desse cenário, é patente a nossa incapacidade de admitir o desconhecimento. Recentemente, tive contato com o livro Ignorância: Uma História Global (Vestígio, 2023), de Peter Burke, e sua visão direta sobre o poder de assumirmos o desconhecimento enquanto catalisador de novas aprendizagens. 

Burke afirma que nossa perda da capacidade de reconhecer o que não sabemos tem nos colocado à beira de abismos profundos. É um perigo emitir opinião sobre temas de que sabemos pouco ou nada a respeito: assim se amplificam conflitos militares, se definem eleições, se guiam tomadas de decisão equivocadas em empresas ou, com impacto menor, se criam vieses em pessoas menos informadas do que nós sobre um determinado tema. 

Conhecimento aprofundado vai além do voo panorâmico sobre um assunto. Tal conhecimento demanda muito da nossa curiosidade, investimento de tempo, curadoria de conteúdo e, sobretudo, reconhecer a nossa ignorância sobre certo tema, como diz Burke. Para aprender, primeiro é preciso não saber. 

É fato que, hoje, confessar que não acompanha algum movimento tecnológico, uma tendência viral efêmera em uma rede social e até uma série nas incontáveis plataformas de streaming à disposição vem despontando como um pecado capital capaz de levar alguém a perder oportunidades de conexão com os demais membros de seu grupo social. 

Por isso, vale lembrar que foi justamente no ambiente social da livre manifestação do conhecimento que se deu o apogeu da filosofia grega, no período pós-socrático. O ser humano desenvolveu um sem-número de experiências de aprendizado por meio da troca com o outro. Então, por que neste momento seria diferente?

Isso não significa reconhecer que há muito que não sabemos e abraçar de imediato toda tendência que surge. Do contrário, podemos despender recursos financeiros importantes sem necessidade – vide a corrida pelo loteamento do metaverso. 

Ainda nesse campo da curadoria, pesquisas sobre o futuro do trabalho nos levam a entender certos conhecimentos como necessários. Caso da inteligência artificial (IA) generativa e da aprendizagem de máquina, que seguem como elementos cruciais para a manutenção da relevância de um profissional no mercado de trabalho. 

E há um tipo de inteligência que nunca sai de moda: o autoconhecimento. 

Aqui, nós caímos de novo na importância de admitir a nossa ignorância em certas áreas e temas: isso faz parte da nossa jornada de autoconhecimento. 

Como diria meu querido amigo e futurista Gui Rangel, “conhecimento é poder, mas autoconhecimento é superpoder”.

Coloquemos este superpoder em nosso set de capacidades como profissionais, abrindo-nos a um elo capaz de amalgamar a nossa trajetória pautada na ignorância para determinados assuntos. Para mim, um poderoso motor na jornada evolutiva e construtivista deste observado futuro do trabalho passa sem dúvida por esse elemento. Um elemento capaz de nos manter humanos.

<strong>Patrick Schneider</strong>
Patrick Schneider

Gestor de Recursos Humanos LATAM com 20 anos de atuação em companhias globais, autor e pesquisador na área de futuro do trabalho.

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