Voar, aprender e voar de novo

Cinco anos e duas graves crises depois, Carlos Griner deixa a vice-presidência de RH da Embraer. Ele conta seus aprendizados em 1a. mão na Think Work Today

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Tomei a coragem de encerrar o ciclo na melhor experiência profissional da minha carreira até agora – a Embraer. Depois de cinco anos e meio como vice-presidente de pessoas, comunicação e ESG, concluo minha gestão tendo vivenciado como a paixão, aliada à competência das pessoas, é algo poderoso – muito além dos clichês organizacionais.

Refleti muito sobre o meu ciclo e sobre o que realmente me motiva, para decidir seguir para uma empolgante nova possibilidade. Mas, antes de contar o porquê dessa decisão, quero dividir o que aprendi durante essa intensa meia década.

Lição 1 – Ouvir as verdades das pessoas e do negócio

Depois de tantos anos como executivo de recursos humanos, podemos “achar” que sabemos muito sobre o que dá e o que não dá certo nas empresas. Seria natural começar um novo desafio aplicando tudo o que aprendemos. Porém, cada organização tem seu estilo, sua cultura e seu momento de negócio.

Por isso, aprendi que um bom jeito de iniciar um novo trabalho é dedicar tempo para ouvir as pessoas. Prefiro atrasar por alguns meses o contato mais próximo com minha equipe para ouvir, com isenção, a opinião dos trabalhadores e de outros líderes sobre a realidade da companhia. Organizo grupos diversos e pergunto duas coisas simples: O que está indo bem? E o que pode melhorar?

Quando comecei na Embraer, em 2017, passei três meses percorrendo os sites pelo mundo nesse processo riquíssimo de escuta. Também tinha na mão um diagnóstico de cultura que havia sido construído um ano antes da minha chegada. E o que eu ouvia se repetia a cada grupo, independente do cargo, da área e até do país, e validava o diagnóstico.

Com essas informações, reunimos a equipe de RH e, juntos, fizemos um exercício para traduzir a fala dos funcionários em demandas prioritárias. Ficou muito claro que a Embraer precisava de três coisas naquele momento: evolução da cultura; revisão do sistema de incentivos e remuneração; e criação de novo processo de gestão de desempenho e de metas.

Tudo isso para aumentar a competitividade, colaboração, simplificação e o foco no resultado.

Lição 2 – Como construir novas verdades em colaboração

Uma das principais mudanças culturais da Embraer era abandonar o estilo “comando e controle”, em que a hierarquia é um valor. Todos queríamos uma empresa que colaborasse mais, sem silos, na qual os times tivessem autonomia e a liderança fosse compartilhada com diversos níveis.

Por isso, mesmo que já soubéssemos quais eram os três projetos prioritários da área de gestão de RH, não gostaria que meu time fizesse as mudanças sem incluir as pessoas nas decisões importantes. Queria que os profissionais de RH lembrassem que era importante realizar as transformações com elas. E assim foi feito.

A equipe se abriu prontamente ao desafio de começar as mudanças por nós mesmos. Todos os projetos reuniram funcionários voluntários e líderes de diversos departamentos em sessões de ideação e cocriação, com metodologia ágil e liberdade para sugerir novos caminhos. Os grupos de trabalho extrapolaram a área de gestão de pessoas.

Esses processos colaborativos demoram um pouco mais para serem desenvolvidos, mas a implantação tende a ser mais simples e a aceitação, melhor – porque os trabalhadores, realmente, são parte do processo e da solução final.

Foi dessa forma que avançamos em todas as prioridades e fomos além delas, mesmo tendo enfrentado duas crises importantes e simultâneas entre 2020 e 2022. Para mim, foram as crises mais desafiadoras em toda minha carreira.

Lição 3 – Manter coerência e consistência mesmo nas crises

Não faltam talentos e garra para a Embraer. Os funcionários se comprometem com lealdade e criatividade quando a causa é importante. Foi assim, unida, que a empresa superou rapidamente duas graves crises concomitantes.

Enquanto já sentíamos os primeiros sinais da pandemia da covid-19, tivemos de lidar com um rompimento unilateral e repentino da Boeing de uma parceria que estávamos desenvolvendo, e na qual já havíamos investido bastante.

Numa situação como essa, o natural talvez fosse focar 100% da energia interna no presente e na sobrevivência da empresa. Mas a Embraer tem uma máxima, que você só realmente entende sendo parte dela: “Nós vivemos pelo desafio”.

Todos os dias de 2020 foram desafiadores. A área de saúde e segurança foi extremamente demandada durante a pandemia. Tínhamos bons processos, inclusive para crise, mas aquela era sem precedentes.

A equipe se reinventou, topou o desafio de criar uma inteligência interna para coletar dados, analisar cenários, antecipar decisões e agir com velocidade. Acertamos na maioria das decisões e aprendemos mais ainda. Tivemos medidas muito restritivas – às vezes, mais duras que as próprias recomendações sanitárias dos países onde operamos. E, assim, mantivemos as operações e a saúde das pessoas em primeiro lugar.

Enquanto a Embraer, o setor da aviação e o mundo todo sofria com a pandemia, tínhamos outra crise emergindo: a do fim do negócio com a Boeing.

Como parte da construção dessa parceria, havíamos preparado a separação pela metade de líderes e times da Embraer. Uma cisão cheia de sensibilidades. Uma parte formaria duas joint ventures com a Boeing, dedicadas à aviação comercial e à venda do cargueiro multimissão Millenium C-390. A outra metade seria responsável pela “Nova Embraer”, com plano ousado de crescimento nos demais negócios da companhia.

Quando a empresa americana rompeu o negócio, já havíamos investido muito e organizado a “casa”. Agora, teríamos de juntar os times de novo e revisar tudo o que havíamos construído. O processo foi doloroso e complexo, mas bem-sucedido. Em pouco tempo, conseguimos integrar as equipes de volta e recuperar a confiança no futuro da Embraer.

As decisões, mais uma vez, foram rápidas e o comprometimento das pessoas, alto.

Uma das coisas mais sensatas que fizemos foi escolher não parar de planejar e construir as bases para o futuro, mesmo travando essas batalhas duras no presente. Isso deu energia e confiança, união e propósito para o time, além de ter sido fundamental para que a Embraer estivesse agora já preparada para retomar seu crescimento – e ainda melhor do que estava antes das crises.

O foco nas prioridades continuou acelerado. Mantivemos a coerência e a consistência no que estávamos fazendo. Aproveitamos o momento desafiador para colocar em prática a nova cultura. Começamos pela liderança e logo notamos novos comportamentos fluírem por toda a empresa, em um processo bem orquestrado e colaborativo.

Digo com segurança que a Embraer começa uma de suas melhores fases e que está pronta para voltar a crescer de forma sustentável e acelerada.

Nunca havia vivido nada tão intenso, difícil, mas, certamente, fortificante e memorável. Me sinto realizado por tanta dedicação e entrega pessoal para esse processo.

Lição 4 – Ouvir-se

Você deve estar se perguntando: “Quem deixaria uma empresa em seu melhor momento?”. Essa decisão aperta o coração, mas estou certo do que escolhi.

Minha maior motivação sempre foi começar algo novo, construir do zero, reinventar o que existe. É isso que me dá energia e satisfação. Esse autoconhecimento é um dos privilégios dos meus 59 anos recém-completados.

Na Embraer, agora, tudo está engatilhado e o time com quem tive a honra de trabalhar está mais pronto do que nunca para enfrentar qualquer desafio. Sinto meu trabalho concluído e sou grato por cada etapa dessa jornada.

É um privilégio ter avançado naquelas três prioridades, ter enfrentado as duas crises e ainda ter liderado a área de Saúde e Segurança e ESG no meio disso tudo.

Em relação à ESG, não posso deixar de comentar que lançamos compromissos ambientais e sociais em 2021 com metas ambiciosas de descarbonização da operação e um roadmap de produtos sustentáveis, para alcançar uma aviação com emissões zero até 2050, além de compromissos em diversidade e inclusão com metas para mulheres em cargos de liderança e grupos sub-representados.

Vêm agora à mente outros projetos com foco em diversidade e inclusão que acredito estar deixando como legado e que continuarão contribuindo com o futuro da Embraer. Gostaria de destacar a transformação que fizemos nos programas de porta de entrada (reconhecidos pelo CIEE como dos melhores do país) e a criação do programa de especialização em software para grupos sub-representados (o Social Tech).

Essa foi uma daquelas experiências de que a gente fala com orgulho. Agora, é hora de ouvir minha própria verdade e partir para um novo voo.

Já estou com cintos apertados, empolgado com os novos desafios que terei pela frente e com o frio na barriga de quem adora começar de novo.

<strong>Carlos Griner</strong>
Carlos Griner

Vice-presidente de pessoas, ESG e comunicação, com experiência em organizações como Embraer, Suzano Papel e Celulose e GE. Em 1º de fevereiro ele ingressa na Raízen.

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