As lições de episódios de gestão implacável e demissões em massa

Para a Today, Rafael Souto escreve sobre gestão implacável e grandes reestruturações empresariais

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O estilo “ranquear e cortar”, praticado na longínqua década de 1980 pelo ex-CEO da General Electric, o executivo Jack Welch, morto em 2020 aos 84 anos, foi parte da cartilha de líderes tidos como eficientes ao longo de muitos anos.

A pretexto de fortalecer uma cultura baseada em competitividade, classificar os funcionários por desempenho e cortar anualmente os últimos 10% do ranking justificou a demissão de quase 120 mil funcionários da GE entre 1980 e 1985. 

A prática associou o lendário executivo a grandes reestruturações e demissões em massa, e o fez ganhar o apelido de Neutron Jack, em alusão aos efeitos estrondosos dos desligamentos em grande escala, comparáveis à última geração das bombas atômicas.

É compreensível a necessidade de reduzir custos e avaliar entregas. Demitir faz parte dos movimentos de negócios. O ponto é o “como” fazer isso. 

O impacto de uma demissão é grande e ultrapassa os limites da própria empresa. Além do profissional envolvido, familiares, colegas de trabalho que ficam na companhia, o líder responsável pela demissão e o ecossistema em que o negócio está inserido são afetados direta ou indiretamente pelo desligamento.

Em uma demissão em massa, podemos dizer que a sociedade sente os efeitos. Com a ascensão da agenda ESG nas organizações, a responsabilidade social – destacada pelo S da sigla – tem sido objeto de maior atenção por parte do mercado.

Os líderes contemporâneos sabem que não devem descuidar da eficiência, e a competitividade continua sendo crucial à sobrevivência do negócio.  No entanto, técnicas gerenciais implacáveis tem se mostrado cada vez mais ineficientes. No século 21, ambientes com segurança psicológica, atenção à carreira dos profissionais, da entrada à saída das organizações, são as tendências atuais de liderança.

Nesse contexto, pegam muito mal atuações como a de Elon Musk, nos recentes e lamentáveis episódios de demissão em massa e ultimato aos funcionários bem ao ditatorial estilo “Twitter: ame-o ou deixe-o”. 

A debandada geral após ele exigir por e-mail o comprometimento dos funcionários com uma “cultura de trabalho hardcore” teria surpreendido Musk, que teve que fechar os escritórios às pressas por alguns dias até organizar o organograma. 

Após o papelão, foi preciso convencer talentos, sobretudo do time de engenharia de software, a ficar, segundo noticiou a imprensa.

Os desligamentos em massa feitos logo após a troca de gestão do Twitter negligenciaram indivíduos, desprestigiando a contribuição profissional dessas pessoas para a organização, cortando acessos à rede interna de forma súbita. 

Além de comunicações padronizadas, não houve abertura para escuta. Sem esse espaço dentro do processo de saída, muitos profissionais fizeram reviews públicos sobre a péssima experiência que estavam atravessando no fim de sua jornada na rede social de microblogs. 

Ouvir o que o profissional tem a dizer é uma relevante etapa de uma demissão responsável. Trabalhadores que se sentem desprestigiados, desvalorizados, se tornam detratores da marca. Os estragos na reputação do Twitter como marca empregadora foram visíveis e afetaram os negócios da empresa, com fuga de usuários para uma rede social similar.

As ações polêmicas de Musk aliadas a rumores sobre o fim do Twitter, fizeram com que a indiana Koo viralizasse no Brasil, com ganho exponencial de usuários. O aplicativo chegou a atingir a marca de mais baixado do país em 18 de novembro.

Pensar em offboarding é estratégico para qualquer empresa no novo mundo do trabalho e deve ser uma prioridade da área de recursos humanos. Eventos como os relatados no Twitter reforçam essa premissa.

As organizações não devem ser reféns dos humores de líderes arcaicos. Estruturar uma política de saída com clareza e transparência fortalece a reputação da marca empregadora e evita um dos mais complexos desafios do nosso tempo: a fuga de talentos.

<strong>Rafael Souto</strong>
Rafael Souto

Fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado e membro do conselho da AMCHAM, é referência nacional no tema carreira e ministra palestras sobre o assunto.

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