Todo mês, na Think Work, Claudio Garcia responde perguntas feitas por profissionais de RH relacionadas a gestão de pessoas, negócios e organizações
Quando fui convidado a escrever essa coluna para a Think Work, perguntei a vários gestores de RH quais dilemas e desafios eles viam para sua área. De formas diferentes, pelo menos metade colocou uma questão que tem sido recorrente em fóruns e artigos de recursos humanos. É fácil sintetizá-la pela frase de um deles: “Por que tentamos, tentamos, mas não conseguimos tornar a área de RH estratégica para a organização?”
E se eu disser que a culpa pode não ser do profissional de RH?
A persistência desse tema talvez seja um reflexo da má avaliação da área de RH capturada em pesquisas de reputação. Por exemplo, um estudo lançado este ano pelo Institute for Business Value da IBM, mostra que somente 16% dos CEOs indicaram os CHROs como relevantes para o processo de transformação que suas empresas terão de passar (contra 57% dos que nomearam os CFOs).
As várias justificativas para essa má reputação costumam ser relacionadas a uma tal carência de competência do profissional de RH, como a dificuldade de alinhar a área com a estratégia da organização, a falta de eficiência, o desconhecimento de negócios, entre outros. As acusações colocam os profissionais de gestão de pessoas na defensiva, “correndo atrás” do prestígio que nunca vem.
Mas muitas vezes o problema está em espaços que não controlamos e, para mudar a realidade, precisamos trocar o ângulo pelo qual olhamos para o contexto ao nosso redor.
Um primeiro ponto deixado de fora nessa discussão é que todo mundo acha que entende de gente. Isso é relacionado a alguns vieses cognitivos, dois deles bem discutidos nos últimos tempos: o efeito “Dunning-Kruger” e a “superioridade ilusória”. Eles sugerem que pessoas tendem a superestimar suas habilidades e conhecimentos em áreas que não dominam. Elas se acham superiores a outros, em assuntos que, na verdade, são leigas.
Os vieses valem para qualquer campo, mas são mais fortes em alguns. Por exemplo, poucos se aventuram a discutir com um CFO sobre o cálculo do valor de mercado da organização em que trabalha. Porém, todos acreditam que sabem como as pessoas funcionam − simplesmente porque pessoas, diferente de finanças, engenharia ou biologia, sempre fizeram parte da nossa vida.
Como nossas histórias, experiências e emoções estão associadas às interações com outros, nos julgamos qualificados para definir como os indivíduos são, agem e o que precisam mudar. Infelizmente, essas “verdades” intuitivas estão longe de serem a realidade, como diversas pesquisas na área de comportamento mostram.
Para os profissionais de RH, que tentam fazer seu trabalho quando todos acreditam que sabem mais do que ele, não deve ser fácil.
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Um segundo ponto é relacionado a outro viés: o de atribuirmos aos outros o resultado negativo de uma situação. É como se o resultado ruim fosse consequência do (mal) comportamento ou da (falta de) competência do outro – contudo, quando a situação acontece conosco, atribuímos a falha ao contexto. Se o sistema não funciona, a culpa é da tecnologia, não da nossa dificuldade em usá-la. Da mesma forma, se as interações da empresa são ruins, se os funcionários não se comportam como queremos ou se estou perdendo gente, é mais fácil culpar o profissional de RH, que não consegue me atender, do que aceitar minha incapacidade de liderar, gerir e engajar meus talentos. Correto?
O fato é que muitos precisam de um destinatário − ou um “bode expiatório” − como responsável para o que dá errado. Mais do que processos, sistemas e máquinas, organizações são espaços de interações humanas, que expõem nossas idiossincrasias e limitações como indivíduos. Não é difícil enxergar quão vulnerável o RH é nesse contexto.
Existem vários outros motivos que podem estar limitando a reputação e a relevância do RH. Mas todos remetem à mesma pergunta que profissionais de recursos humanos deveriam focar em responder: Como eu consigo liderar e dar direção para o tema gente no contexto das organizações, quando todo mundo acha que entende do meu trabalho?
Bem, nunca os tempos foram tão adequados para mudar isso. As luzes no fim do túnel se chamam ciência e dados. Nem sempre é o suficiente para mudar mentes ideológicas, mas dados e fatos científicos ainda são a melhor maneira de sobrepor verdades de corredor. Com os avanços significativos das ciências cognitivas e comportamentais dos últimos anos, profissionais de RH podem contar com uma quantidade absurda de conhecimento sobre pessoas. Além disso, têm à mão novas ferramentas de gestão que capturam informações por meio do fluxo do trabalho dos indivíduos e instrumentos de análises de dados sobre a dinâmica das pessoas que podem facilmente descredenciar intuições tolas e sugerir rumos.
Da mesma forma que marketing, por meio de análise de dados, conseguiu escapar de décadas de “criativos” narcisistas, que se preocupavam mais em ganhar prêmios do que em criar valor empresarial, profissionais de RH deveriam se valer mais de ciências e dados para educar a organização sobre gestão de pessoas.
Mas, além de resgatar sua reputação, existe algo mais importante para o RH deixar de legado. Pela pesquisa da IBM fica claro que, apesar de discursos inflamados sobre o valor das pessoas para negócios, quem representa as organizações está longe de reconhecer que transformações acontecem por meio delas e não de números – uma verdade aparentemente óbvia para quem é especialista em pessoas e que o RH deve ajudar os CEOs a enxergar.
Se você tiver alguma pergunta que gostaria que o Claudio Garcia respondesse, envie um e-mail para [email protected]
Concordo integralmente com sua exposição! Com raras exceções, as empresas costumam cobrar do RH, na prática, um ‘estratégico’ do qual estão dispostas a patrocinar somente no discurso.