As lições de Ruy Marra, recordista mundial com voos duplos de asa-delta, para a liderança das empresas
Quando os homens habitavam as cavernas, sobrevivia aquele que gastava menos energia. Sair da caverna era sinônimo de inovação e essa escapada custava ao cérebro 30% de gasto energético. Essa informação ancestral ficou guardada em nossos genes e nos diz até hoje que a mudança é inimiga da sobrevivência. Mas nós podemos vencer essa resistência.
Eu tinha pavor de altura, quando um amigo de infância me convidou para voar de asa-delta. Meu terror era tanto que fiz o curso de voo livre em 300 aulas, quando o normal são 60, no máximo. Superei o medo, e aquele temor me deu a empatia necessária para lidar com os futuros passageiros nos voos duplos. Quando me procuravam para voar, eu me lembrava de como a ansiedade havia me paralisado. Então, a primeira coisa que fazia era acolher as pessoas inseguras. Quando entrávamos em voo, elas diziam que voar tinha sido a melhor coisa que haviam feito na vida.
Essa relação despertou meu interesse na neurociência do comportamento humano. Em 1996, enquanto atuava como advogado e fazia voos duplos aos fins de semana, quis compreender as estruturas fisiológicas envolvidas em um processo de estresse. No voo livre, é preciso correr na rampa de decolagem a uma velocidade de 16 quilômetros por hora, carregando um equipamento de 40 quilos. Se o passageiro do voo duplo não se compromete com esse esforço, a decolagem é perigosa. É uma metáfora para a vida. Pense em um projeto em que duas pessoas têm interesses em comum, mas desempenhos diferentes. Como o líder pode alinhar esses esforços? No voo duplo, os passageiros se comprometiam a correr, mas apenas 5% deles o faziam.
Eu queria entender como fazer o passageiro correr na rampa. Estudei biopsicologia e, a partir daí, desenvolvi uma pesquisa com 2 mil pessoas: media os batimentos cardíacos, avaliava o desempenho na corrida e entregava uma escala psicométrica, na qual cada uma preenchia o grau de afeto positivo. Avaliei a influência do afeto positivo nas emoções e no sistema nervoso autônomo, e identifiquei quais fatores psicofisiológicos estariam envolvidos em momentos de estresse. Criei soluções emocionais para lidar com essas situações – e que servem de lição para a liderança.
Primeiro é preciso ter consciência que nós temos um eixo entre o cérebro e o coração que é impactado pelo padrão respiratório. Com a exalação mais prolongada que a inspiração, é possível alterar os batimentos cardíacos. Segundo, só mudar a respiração não basta. Aqui entra o papel da memória: ter uma lembrança que traga uma sensação de bem estar e que vai influenciar o eixo neuro cardiológico.
Um pensamento associado a uma respiração suave pode nos preparar fisiologicamente para qualquer desafio.
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Outro cuidado é possuir um objetivo. Uma das características da mente é ela se fundir com a meta. Se você diz “não posso pensar no elefante cor-de-rosa”, logo começa a pensar no elefante cor-de-rosa. Isso é chamado de viés da negatividade, o fato de nossa cabeça se concentrar mais no negativo do que nos eventos positivos. O viés da negatividade, que influencia a motivação para concluir uma tarefa, assegurou a sobrevivência da nossa espécie durante anos, naquele tempo em que os homens habitavam as cavernas. Eles viam uma manga caída a 30 metros da caverna, saiam correndo para pegá-la, olhando para os lados, com a respiração curta e o batimento acelerado, e retornavam rapidamente para a segurança, com a fruta.
É importante que a liderança seja capaz de promover um ambiente de segurança para incentivar a criatividade, a inovação e, principalmente, criar uma rede de apoio social que vai impactar no desempenho − e nos números da empresa. Exemplo é muito importante quando falamos em liderança. Quando levamos isso em conta, entendemos que o líder também tem uma demanda de faxina constante em seu próprio eixo neuro cardiológico. E daí a importância de seu bem-estar.
Do ponto de vista da neurociência do comportamento humano, nosso bem-estar é influenciado por alguns pilares, da alimentação e do sono até o propósito além da sobrevivência e das emoções.
A emoção é contagiosa. Quando grandes grupos corporativos apareciam para um voo livre de asa-delta, eu percebia que, se alguém falasse que estava com muito medo, todos os outros ficavam apavorados também. Nessas horas, eu contava a história do reflorestamento da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, nos tempos de Dom Pedro, feito por seis escravos. O grupo entrava em uma espiral positiva e propunha oferecer nossa corrida na rampa como homenagem e reconhecimento ao trabalho dos escravos.
Quando entrávamos em voo, aquelas pessoas diziam que saltar de asa-delta era a melhor coisa que tinham feito na vida.