O que será o amanhã?

Uma reflexão sobre a transformação do mundo pós-pandemia no artigo de estreia de Antonio Salvador, coautor de Transformação Digital, uma jornada além da tecnologia

Eu era garoto quando, em 1978, a União da Ilha do Governador desfilou com o samba-enredo “O Amanhã”, que falava sobre bola de cristal, jogo de búzios, cartomante e muito mais. Depois, a música ficou eternizada na voz da cantora Simone e invariavelmente tocava nos finais de festa na casa dos meus pais. Momentos alegres. #tbt

Hoje, nesse momento de crise mundial, não vemos a hora de recuperar nossas vidas, voltar a aglomerar, sambar e curtir nossos amigos e família. Mas enquanto a pandemia não dá uma trégua, podemos apenas imaginar esse amanhã.

Que será diferente, acho que não temos dúvida. Que vai ser mais digital também. Crises tem o poder de acelerar transformações em curso, principalmente as ligadas a sobrevivência e maior eficiência das organizações. Com o digital não foi diferente. E-commerce explodiu, com números de crescimento na casa dos dois dígitos, deixando de ser uma fonte de despesa para se tornar a principal fonte de receita para muitas empresas.

O mundo contactless, ou sem fricção, também foi acelerado por motivos óbvios de distanciamento social, ganhou força com a pandemia. Mas as tecnologias de pagamento por QRcode, aproximação, tags no carro já estavam disponíveis, adicionando mais uma função ao nosso já onipresente aparelho celular: a de carteira de pagamentos.

Mas se a necessidade é a mãe de todas as invenções, então vamos ver uma aceleração do digital, a perpetuação do home office, ou o contínuo crescimento desenfreado do e-commerce? Na minha opinião, não necessariamente. Acredito que muitas companhias estão “inovando” para sair de uma situação de crise, pela dor, mas sem uma estratégia clara de como isso pode impactar seu negócio ao longo prazo e, principalmente, sem investir no principal: pessoas e cultura.

É na crise que você mostra seu melhor, mas também seu pior. Temos muitos exemplos de empresas que atuaram genuinamente para preservar seus funcionários, entendendo os desafios de pais e mães que entraram no gig work, adicionando ao seu dia a dia tarefas como ensinar, cozinhar, faxinar, cuidar de idoso, ao mesmo tempo em que trabalhavam intensamente para atingir metas − que não foram renegociadas, considerando o momento.

Após um ano dentro dessa crise que não passa, tenho recomendado às empresas que atuo como conselheiro ou consultor a começar a preparar seu próximo passo: seu amanhã. Aproveitando as inovações e acelerações introduzidas, mas desenhando suas opções estratégicas para a retomada, preparando seu time e a forma como esse time hoje trabalha. Não estou me referindo apenas ao home office, mas quão diverso é essa equipe; se a organização é fluida o suficiente para se “rearranjar” para suportar novas crises; se as pessoas se sentem seguras e estimuladas a desafiar o status quo, o pilar de qualquer cultura inovadora.

O momento é de plantar, de preparar o futuro, pois acredito realmente em uma nova era de crescimento após esses anos sombrios.

Não é meu lado Poliana ou carnavalesco falando, mas os dados de uma recente pesquisa do Goldman Sachs que vem identificando um enorme excesso de poupança das famílias nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Nos EUA isso representa mais de 7% do PIB, no Japão 6% acima do PIB, e na Inglaterra, 8%. É um efeito da diminuição do consumo com viagens, compra de um novo carro ou outros itens, em virtude do confinamento e restrições sanitárias. Ou seja, as previsões são de que a economia mundial possa se recuperar mais rápido do que imaginamos, com esse fluxo adicional de recursos indo inclusive para países como o nosso Brasil.

Mesmo com todos os desafios que ainda temos pela frente − e o fato de o Brasil talvez ficar um pouco atrás por conta do impacto que a covid está tendo em nosso país, que já tinha uma economia frágil −, acho que não precisamos ter bola de cristal, jogo de búzios ou ouvir uma cartomante começarmos a nos preparar para um futuro, sim, diferente − mas que podemos fazer com que seja melhor.

Antonio Salvador
Antonio Salvador

É diretor-executivo da Mercer e coautor de Transformação Digital, uma jornada além da tecnologia. Atua como conselheiro de administração de grandes empresas, e é investidor e mentor de startups. Na Think Work escreve sobre transformação digital.

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