No futuro do trabalho, menos etarismo e mais longevidade ativa

“Uma das paralelas mais relevantes dos estudos sobre o futuro do trabalho trata justamente de combater o etarismo”, afirma Patrick Schneider

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“Se por acaso você entende que é uma pessoa imune a preconceitos por ter nascido homem, heterossexual, branco e egresso da classe média, em breve descobrirá, se você tiver sorte na vida, ao se tornar um idoso, sentirá na pele o peso do etarismo.” Este trecho é parte da comovente declaração de Antônio Lopes, ex-técnico de futebol, em uma das muitas entrevistas concedidas após sua coletiva de despedida, na qual foi considerado “velho” para liderar uma equipe esportiva no Brasil.

Lopes dedicou 31 anos à margem dos campos, atuando como coordenador técnico, gerente de futebol e treinador. Nessa última função, conquistou a Libertadores da América, a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro, acumulando mais de 900 jogos à beira do campo.

O etarismo é um tema contemporâneo. Mas onde nos perdemos?

Minha memória mais antiga remonta à 2004, quando a empresa em que trabalhava decidiu lançar um programa de trainee. Naquela época, buscavam-se jovens na fase final da graduação, em universidades de renome, fluentes em inglês, com experiência internacional, envolvimento em atividades voluntárias e, no máximo, 25 anos de idade. Em suma, procuravam-se jovens privilegiados ainda não acessados pelo mercado de trabalho. Claro, um jovem que trabalhasse provavelmente não conseguiria cumprir a lista completa de requisitos.

Invariavelmente, os candidatos, de todas as regiões do Brasil, eram brancos, oriundos da classe média-alta e com pais formados na universidade. Naquela época, que dava os primeiros passos para tornar o ensino superior acessível ao brasileiro (o FIES completava cinco anos), você tinha um grupo que dificilmente possuía um sobrenome “Silva” entre os concorrentes.

Embora essa descrição possa apontar outros caminhos tortuosos promovidos pelo mercado de trabalho na primeira década do século XXI e que trouxeram impactos severos discutidos a partir da década seguinte, o programa definia uma gincana com tarefas desafiadoras para que os candidatos se esforçassem para superá-las.

Pensamento sistêmico, lógica, estatística, domínio de idiomas, conhecimentos gerais e um painel executivo. Após essas etapas, aqueles que conseguissem superar os desafios estavam prontos para entrar em um programa de aceleração de carreira. No plano de carreira, passavam por diversas áreas e unidades de negócio da empresa, visando assumir cargos de liderança em curto prazo – no qual gerenciariam pessoas que possuíam, em anos de experiência na área de atuação, o mesmo tempo de vida dos trainees.

Houve uma época em que as equipes que recebiam um trainee se sensibilizavam, referindo-se a esse grupo como as pessoas que iriam direcionar a companhia para o futuro.

No mesmo período, as pessoas passaram a ser categorizadas em quadrantes geracionais, dividindo todos dentro do ambiente organizacional conforme seu ano de nascimento, mais ou menos como se faz até hoje em “peneiras” em clubes de futebol.

Foi então que uma série de vieses começou a circular livremente pela organização: “pessoas com mais de 40 anos não possuíam a capacidade de liderar, se não haviam se tornado líderes até então”, ou, ainda, “pessoas acima de 50 anos precisavam começar a pensar em seu próximo passo de carreira, fora da empresa”, como afirmava a consultoria encarregada do programa de trainee. E, assim, profissionais com cabelos brancos pouco a pouco já não eram mais vistos nos corredores da companhia.

O ímpeto dos novos líderes refletiu nos negócios de norte a sul do Brasil. Fossem eles bons, fossem ruins, esses jovens foram demonstrando impactos, alguns se destacando, outros sendo desligados sumariamente por decisões equivocadas.

Se pensarmos nos tempos atuais, quando se enfrenta um envelhecimento acelerado da população mundial, alavancado por uma baixa taxa de natalidade e ampliado pelo aumento da expectativa de vida graças ao avanço da medicina, uma narrativa como essa é algo impensável.

Uma das paralelas mais relevantes dos estudos sobre o futuro do trabalho trata justamente de combater o etarismo e da necessidade de geração de propostas para garantir a longevidade ativa das pessoas.

Como estender ao máximo o tempo de colaboração com a evolução do trabalho, mantendo os seres humanos capazes de gerar garantias de subsistência digna, mesmo na velhice?

Pensar o etarismo como algo que nasceu de modo espontâneo dentro da sociedade é simplista.

Parece-me fundamental compreender as possibilidades de transferência de conhecimento para novos profissionais que chegam cada vez menos ao mercado de trabalho, mas, mais do que isso, que tipo de benefícios e ambiente organizacional pode ser oferecido aos mais experientes, para que eles continuem interessados em dedicar seu tempo ao contexto laboral.

Para mim, enquanto gestor de RH, desde muito cedo apliquei meu olhar sobre a sociedade brasileira e como as manifestações desta demandam adaptações rápidas dentro das estruturas, processos, políticas, hierarquias, eventos da cultura, etc.

Hoje, mais do que nunca, é necessário repensar as palavras de Antônio Lopes, compreendendo que essa deveria ser uma discussão ampla e plural em busca de caminhos viáveis para a extinção desse tipo de manifestação do preconceito.

A previdência social ao redor do planeta teme a baixa capacidade de manutenção de aposentadorias no ritmo acelerado em que são demandadas.

O futuro do trabalho depende, em grande medida, da longevidade ativa dos seres humanos.

Entretanto, precisamos ainda mais desse tipo de discussão à luz de pessoas que, por colecionarem uma variedade de experiências, são capazes de transformar o ambiente ao redor, aportando evolução em estado puro.

Idade nunca foi sinônimo de limite, mas, sim, de potencial.

Patrick Schneider

Executivo de RH, escritor e pesquisador na temática futuro do trabalho.

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