Precisamos falar sobre ‘maternidade masculina’ no mundo corporativo

“Deveríamos ter claro que não somos ‘um pai que está ajudando’, mas um pai que está fazendo o seu papel”, escreve Argentino Oliveira, da Braskem, sobre a maternidade masculina

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Tenho atuado em multinacionais brasileiras como executivo em áreas como Suprimentos e Comercial nos últimos dez anos e recebi o desafio de liderar Pessoas e Comunicação nos últimos três, primeiro globalmente e, agora, responsável por Europa e Ásia, baseado na Holanda.

Ao longo da minha carreira, me deparei com desafios que me fizeram crescer como profissional e ser humano. Destaco três que vão permanecer para sempre na minha memória: os anos em que fui responsável por desenvolver o mercado químico no continente africano (pela diversidade cultural); a greve dos caminhoneiros no Brasil, em 2018, quando era líder de supply chain; e, mais recentemente, a pandemia da covid-19, quando era líder global de recursos humanos.

São essas fases de provocação, questionamento e alto estresse que fazem com que as fibras do corpo humano cresçam e se fortaleçam, como defende Tal Ben-Shahar, professor de psicologia positiva em Harvard e autor do best-seller Seja mais Feliz.

No meu caso, as situações me colocaram no caos, me expuseram aos meus sentimentos e exigiram o reforço dos laços afetivos. Sobretudo, me prepararam para o desafio mais recente: a paternidade dos meus dois filhos.

Essa tarefa é compartilhada com outro homem – meu marido e também pai dos meus filhos –, que trabalha igualmente como executivo de RH em uma multinacional brasileira, aqui na Holanda.

Em casa, por exemplo, não temos como usar a desculpa “esse é o seu papel como mãe”. Afinal, não temos peito para dar leite. Em situações assim, comecei a notar como o homem pode ser mais atuante e presente na vida dos filhos, e assumir a maternidade masculina –  e como isso faz com que desenvolvamos competências que não pensava ter.

O primeiro aprendizado foi sobre o trabalho 100% compartilhado. Aqui, as tarefas são realmente divididas igualmente. Isso nos força a ter um trabalho genuinamente coletivo, sem papéis fixos ligados a gênero ou padrão social. E mais importante: sem desculpas.

Isso vale para outras situações, como quando estamos no trabalho e precisamos parar uma reunião para voltar para casa porque não temos com quem deixar a criança, ou porque precisamos pegá-la na escola ou conversar com a professora. São coisas que têm de ser feitas por nós, como pais. Contudo, é um cenário que, na maioria das vezes, não acontece com homens no ambiente corporativo, uma vez que cuidar dos filhos é uma tarefa historicamente direcionada à mãe.

Deveríamos ter claro que não somos “um pai que está ajudando”, mas um pai que está fazendo o seu papel (job description, reto e direto).

É uma atitude, inclusive, que deixa o ambiente mais leve em casa, pois aumenta o laço de confiança do casal na relação com a criança, já que a responsabilidade não pesa mais para um do que para outro.

Nas empresas, podemos começar com pequenos passos na construção de uma cultura organizacional mais humanizada e acolhedora. Por exemplo, aconselhando executivos do alto escalão a cancelarem suas reuniões de última hora (sim, de última hora!) quando o filho ficar doente. Ou com eles dando o exemplo de sair no horário porque é sua vez de pegar o filho na creche. Ou, ainda, aceitando que vão chegar atrasados porque a criança não dormiu bem à noite e estava fazendo birra para se vestir de manhã.

Precisamos normalizar que a responsabilidade pela criação é, sim, compartilhada. Isso, seguramente, gera mais segurança para que a equipe e outros pais possam também fazer o mesmo. Mas não pode ser forçado. Afinal, sabemos que o principal elemento na construção e na evolução de uma cultura corporativa são atitudes que, por longos períodos propagadas e repetidas, tornam-se realidade nas organizações.

Nesse caminho, acho importante uma pausa para uma reflexão aos pais: Se sua esposa vai sair e precisa lhe explicar a rotina das crianças, atenção! Você não está participando o suficiente. Não vale só dar o “banho da noite”. Cuidar de um ser humano é uma das tarefas que requerem mais energia, esforço e dedicação.

Em 2023, completo duas décadas ao lado de meu marido. Nessa jornada, lembro de períodos desafiadores em que ainda escondíamos nossa orientação sexual, com receio de isso impactar nossas carreiras. Confesso que atuar em indústrias brasileiras sendo homossexual, 20 anos atrás, era um desafio mais árido e desafiador do que hoje em dia.

Por outro lado, dificuldades como essas e tantas outras que os talentos plurais enfrentaram, e continuam enfrentando no ambiente corporativo, forçaram as empresas a desenvolver lentes de empatia ao olhar as condições dos profissionais que muitas vezes não se viam representados nem se desenvolvendo nas organizações. Por meio do processo de diversidade e inclusão (D&I), criou-se um olhar de cuidado para o ser humano no trabalho,  não apenas na sua relação fora dele.Essa relação vai além de qualquer grupo de afinidade, pois o ser humano é associado com “o ir sendo e se fazendo na travessia da sua evolução”, como dizia o escritor Guimarães Rosa. Isso é um solo fértil para novos modelos empresariais que, antes mecanicistas, passaram agora a ser moldados na direção de um novo perfil de liderança e de organizações mais maternas, a fim de atrair e manter os melhores talentos do mercado.

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<strong>Argentino Oliveira Neto</strong>
Argentino Oliveira Neto

Diretor de pessoas e comunicação para Europa, Oriente Médio e África na Braskem, baseado na Holanda.

Comentários Precisamos falar sobre ‘maternidade masculina’ no mundo corporativo

  1. Helenice da silva borges perri disse:

    Eu como mae… que fui … tentei criar filhos sem pai.Consegui…grandes e maravilhosos filhos. Hoje tenho filhos de carater impar…sem igual. Você vencerá amado filho… com seu companheiro… te amo demais. Parabéns amado!

  2. Denise disse:

    Precisamos normalizar que educar filhos é se responsabilizar. Bem disse o Neto quando se “precisa explicar” ao parceiro ou parceira como se dá a rotina do filho(a), realmente algo está fora do “compasso” do que se espera de uma rotina familiar com harmonia e respeito.
    Parabéns, Neto, pelo conteúdo abordado com relevância, coerência e urgência de debates.

  3. Davi Bufalo disse:

    Baita exemplo. Fui criado no esquema de “se fez o filho é teu a responsabilidade é a mesma, não importa de pai ou mãe”.

  4. Querido Argetino, obrigado pelo seu artigo. De certa forma ele espelha também minha vida que com 23 anos de casamento com meu marido e com nossos dois filhos, hoje com 16 e 14 anos. Lembro de com ele bebês tínhamos que trabalhar o dia todo, sim sem direito a licença, e a noite cuidar deles. E quem tem bebê em casa sabe o esforço que isto requer. Que a partir de sua reflexão possamos buscar alternativas para os pais possam realmente ter mais tempo para a tarefa mais importante da vida que é cuidar e educar outra vida. Grande abraço

  5. Alan Simplicio de Souza disse:

    Olá novamente Argentino!
    Seu artigo confirmou que eu devo estar no caminho certo. Eu e minha esposa tivemos a Helô a quase 5 anos, e lembro que quando decidimos ter ela, minha primeira decisão pessoal foi de que eu iria participar da vida dela o máximo que eu pudesse, e de fato isso aconteceu! Fralda, mamadeira, banho, “Todas consultas médicas nestes 5 anos”, escolha da escolinha, escolha da roupa, do brinquedo, de ser “firme nos Nãos”, e muita brincadeira (a gente volta a ser criança). Hoje eu e a Sílvia minha esposa, dividimos as tarefas conforme os horários de trabalho que temos; quando um tá cansado, o outro assume, quando um tá estressado o outro fica calmo, é assim vamos fazendo o melhor que podemos, mas com toda certeza que estamos ajudando um “serhumaninho” a crescer! Uma baita responsabilidade, mas com toda certeza de criar uma parceira pra vida!
    Tive amigos de trabalho que que não eram assim, as vezes nem fralda trocou na vida, ou não viram os pequenos primeiros passos da criança pois estava ocupado por “causa do trabalho”, mas não julgo porque a decisão é de cada um, e as empresas ainda tem um modelo de trabalho da época da revolução industrial. Mas vi isso mudando aos poucos nos últimos anos, há realmente uma mudança de mentalidade crescendo para o bem da futura geração. Obrigado pelo seu inspirador depoimento!

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