Empresas que cuidam são comunidades potentes em sua diversidade

Estreante na Today, o psicólogo social Augusto Galery explica por que o cuidado não é apenas indicado, mas necessário hoje e como promover pertencimento e comunalidade nas organizações

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Vamos começar pelo começo: para que serve uma empresa?

Há ainda quem diga que ela existe dar lucro a seus acionistas. É uma visão anacrônica, de um tempo em que se achava que o pilar econômico era o mais importante de todos e que o mercado e o mundo encontrariam equilíbrio na luta permanente entre as pessoas (físicas ou jurídicas).

O otimismo dessa visão competitiva da sociedade não se realizou, como uma rápida análise do século XX permite comprovar. Não só o desequilíbrio econômico se agravou, como agora é acompanhado de desequilíbrios ecológicos e sociais.

Então, para que serve uma empresa?

Há várias novas respostas para essa questão. Opto aqui pela que presume a complexidade do mundo: as organizações devem estar atentas a diversas missões ao mesmo tempo. 

Tomemos como referência os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU). Cada companhia teria ao menos 17 metas, de erradicar a pobreza a cuidar da natureza. Objetivos econômicos também, claro. A meta 8 trata de trabalho decente e crescimento econômico e o objetivo 9, de indústria, inovação e infraestrutura. Mas eles perdem a centralidade e passam a compor um quadro diverso, mais amplo.

O preâmbulo acima é importante para entrarmos no tema deste texto: organizações que cuidam. Com sinceridade: se sua empresa ainda está no século XX, este artigo não fará sentido para ela. Mas, se ela já compreende que os ODS não são uma escolha – precisam ser implementados! –, eu gostaria de ajudar você a refletir sobre um deles. O objetivo 3: “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades”. 

Uma companhia só cumpre sua função se promove a saúde daqueles que com ela se envolvem. Precisa, portanto, aprender a cuidar. 

Cuidar é um estado de interesse e preocupação por alguém – implica ver cada pessoa como sujeito, num sentido humano e integral, sem objetificá-la. Criar laços de afeto com alguém visto como igual: sujeito como eu, com quem posso me identificar e para quem devo dar uma atenção pautada na ética que compõe relações humanas sadias.

Ver alguém de modo integral é enxergá-lo multifacetado e em relação com o contexto. Ao olhar para as pessoas da minha empresa, preciso evitar a tentação de transformá-las em um mar de igualdades. Uma perspectiva integral requer não negar diferenças, mas abraçá-las. Desenvolver projetos de Diversidade & Inclusão para as organizações é cuidar.

Composta de indivíduos únicos, uma empresa que cuida é uma comunidade: um grupo de pessoas que compartilham vínculos a partir de seus propósitos, atividades, recursos, necessidades. Essas relações criam pertencimento: uma comunalidade. 

São quatro as características de uma comunidade que cuida, de acordo com o Manifesto do Cuidado (Care Manifesto, do Care Collective): apoio mútuo, espaços comuns, compartilhamento de recursos e vivência democrática. Ao contrário do que se pensava no século passado, a colaboração é essencial ao trabalho. Não só: é essencial à saúde, física ou psíquica, e à nossa sobrevivência ecossocial. 

Promover o apoio mútuo cria uma cultura comunitária – leia-se colaborativa. Para tanto, é estratégico desenvolver lideranças, renunciar à competitividade patológica e investir em espaços de colaboração mútua, onde grupos podem pensar, decidir e planejar ações em conjunto.

Comunidades que cuidam, ainda conforme o Care Collective, priorizam o compartilhamento de recursos, incluindo materiais (como ferramentas), tecnológicos (internet) e sociais (conhecimento). Como provou a cientista política e economista Elinor Ostrom, Nobel de 2019, comunidades cuidam melhor de recursos do que estruturas centralizadas e autoritárias.

Por fim, a história mostra que não há saúde social sem democracia. A participação nas tomadas de decisão, nos arranjos de recursos, nas mediações dos conflitos etc. promove um vínculo social de comunalidade.

Nosso convite, ao escrever esse texto, é o de refletir sobre como nossas organizações, historicamente isoladas, fragmentadas e patogênicas, podem se tornar espaços que cuidam em todos os campos: físicos, psíquicos, sociais e ecológicos. Espero que você não ache mais fácil continuar doente…

Augusto Galery, colunista

Augusto Galery

Professor e pesquisador em Psicologia Social e Sociedade Inclusiva.

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