Emprego e trabalho: metamorfose em andamento

Patrick Schneider analisa os dilemas atuais do trabalho diante da aceleração tecnológica e das tensões humanas que emergem nesse cenário

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Se considerarmos o conflito instaurado pela análise factual da história sob a ótica de Walter Benjamin — especialmente sua proposta de revisar os fenômenos históricos como elementos a “serem escovados à contrapelo” — podemos aplicar essa abordagem à relação atual entre tempo e transformação social, marcada por uma aceleração inquietante e ansiosa, talvez sem precedentes desde a Revolução Industrial.

É difícil imaginar, no longo prazo, um mundo onde profissionais em meio de carreira são desligados em massa, substituídos por agentes autônomos que supervisionam a produtividade de equipes nas organizações por simbólicos 200 dólares. Ou, por outro lado, profissionais contratados por algumas toneladas de milhões de dólares por causa de um domínio de algo que ainda está sendo criado. Ambos são exemplos reais, ocorridos recentemente em torno de gigantes do setor tech

Em sala de aula, ao discutir inteligência artificial e recursos humanos, recebo perguntas que só me permitem responder “my crystal ball still on the table, but…”. Não sabemos o que ocorrerá no curtíssimo prazo, muito menos em cinco anos. 

Me posiciono como pesquisador do futuro do trabalho, não como futurologista. Observo os movimentos sociais e seus impactos de longo prazo, como quem está numa recepção de pronto-atendimento, analisando a entrada de fraturas e prevendo recuperações. 

Não raro, os alunos saem frustrados. A busca por respostas nunca gerou tanta ansiedade — justamente pela escassez delas.

Recentemente, um aluno colombiano, radicado nos EUA desde 2012 e atuante na indústria de tecnologias para o agronegócio, pediu uma conversa reservada. Compartilhou a pressão por soluções que aumentem a produtividade, reduzindo o número de pessoas. A carga sobre seus ombros era pesada demais para carregar sozinho, e ele cogitava vender sua empresa.

Seu olhar atormentado me comoveu. Deixar os contratos não garantiria sua subsistência, mas vender o conhecimento acumulado em mais de uma década poderia render o equivalente à venda de uma empresa centenária.

Esse exemplo revela o tamanho da metamorfose do que estamos vivendo. 

Se de um lado marcas tradicionais estão sendo adquiridas mais facilmente devido à incapacidade sucessória de seus fundadores, novas companhias da área de tecnologia são vendidas por um valuation pornográfico aos olhos de um avalista com mindset fixo. 

É impressionante ver a mudança nas expectativas sobre os profissionais versus a confiança quase alienada de lideranças seduzidas pelas promessas da automação e dos copilotos em construção.

2025 será marcado pelo apetite tecnológico. Já em 2026, veremos seus reflexos.

O protagonismo do RH durante a pandemia mudou de endereço, bandeando-se para a área de TI. Inclusive, a esses profissionais tem sido oferecida a cadeira da gestão de pessoas, por serem vistos como capazes de dar as soluções demandadas ao meu oprimido aluno. 

Nas minhas aulas, sempre defendo que este é um momento fértil para estarmos rodeados por profissionais de Compliance e Jurídico, aportando elementos de atenção na rápida adoção dessas tecnologias. A capacidade de mineração, tratamento, análise e oferta de conhecimento através de dados das aplicações baseadas em IA são incríveis para os olhos humanos. O risco está em nos deslumbrarmos com o vigor da labareda — como se assistíssemos à descoberta do fogo — e, cegos pelo fascínio, permitirmos que a casa se incendeie.

Quando o coração acelera sobre esse assunto, recorro ao texto profético (na medida) de Byung-Chul Han, no maravilhoso “O espírito da esperança, contra a sociedade do medo”. Ele defende que estimular a imaginação para o ‘dom da invenção’ — rompendo com o antigo e nos preparando para o novo — desperta em nós um coração inquieto diante das injustiças do mundo, tornando-nos capazes de protestar e alimentar o espírito de revolução que habita em cada um. 

Ora, fomos os únicos seres a domesticar o fogo, aplicar a alavanca e acelerar o tempo sobre a roda. Por que sucumbiríamos às bases virtuais de algo que quer tomar justamente o quinhão de atividades que mais detestamos em nossos trabalhos diários? 

Retomando Benjamin, ao analisar pensadores que refletiram sobre a sociedade, o literato afirma que o sujeito do conhecimento histórico é a própria classe combatente — os verdadeiros autores das páginas da história, capazes de ‘salvar’ as futuras gerações dos atos maculados no mercado de trabalho. Como ele não viveu o presente, não podemos perguntar: “quem nos salvará agora?”

O momento é de reflexão, mas começo a pensar que essa capacidade nos foi solapada.  

Estamos parando de nos incomodar com o que incomoda, e, pouco a pouco, nos acostumando com o descontentamento que nos acompanha nas jornadas laborais, em alguns casos, absurdas e sem significado, acorrentadas a bônus, stock options, salários, benefícios e cargos que prometem status

Não condeno todos, nem tudo. Mas ao ler pesquisas como as da Think Work, vemos indicadores de uma rotina medieval de sobrevivência. Cruzando esses dados com os índices alarmantes de doenças ligadas à saúde mental, percebemos um padrão: estamos exaustos das rotinas que criamos. 

O trabalho, como o conhecemos, começa a se descapsular de um casulo que tecemos com fios de seda tecido ao longo de décadas. E é justamente essa metamorfose que está fazendo com que a crisálida tire de dentro da larva uma nova manifestação do emprego – que talvez não alcance a todos de imediato, mas também padecerá da ausência do aprendizado produzido pela interação humana. 

Não acredito em nossa derrocada como espécie por um motivo objetivo: capitalismo.

Nanomedicina, gadgets de nova geração, assistentes ultrainteligentes — tudo isso impulsiona o desejo seminal das organizações: dinheiro. Se grande parte da população estiver desempregada, quem consumirá essas maravilhas?

Enquanto estas linhas provocam reflexão, convido você a compartilhá-las com suas equipes. Promova debates que ampliem a compreensão desse mundo em transformação e de como podemos passar do sentimento de extinção ao protagonismo na maior revolução do trabalho em décadas.

Como dito brilhantemente por Moise Vandi “Não sabemos o que está acontecendo… e é exatamente isso que está acontecendo”. 

 

Patrick Schneider

Executivo de RH, escritor e pesquisador na temática futuro do trabalho.

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