Waysfinding nos orienta a traçar caminhos mutáveis por meio de fronteiras inexploradas, escreve Marcelo Cardoso em seu artigo para a Today
A especialista sul-africana em Gestão na Complexidade, Sonja Blignaut, esteve no Brasil recentemente. Tive a oportunidade de participar de vários encontros com ela: para executivos, consultores, líderes do setor da saúde e do terceiro setor, ativistas, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro.
A receptividade e a qualidade das trocas com os diversos públicos reforçaram minha crença de que, para organizações e pessoas prosperarem, é crucial o letramento e a adoção de práticas que considerem a complexidade com que nos relacionamos diariamente.
Atuar em contextos complexos implica lidar com constantes mudanças e transições, algo que temos dificuldade para gerenciar, especialmente em organizações mais tradicionais que sustentam grandes estruturas e processos. Sonja costuma dizer que a experiência de viver essas transições se assemelha ao desconforto dentro de um casulo: um ambiente disforme e pastoso, onde as velhas certezas se dissolvem sem indicação do que vem a seguir.
A metáfora é pertinente, exceto que, para os insetos, basta seguir o fluxo da natureza, entregando-se ao processo. Para nós, humanos, as transições não têm resultados garantidos; precisamos colocar nossa agência e arbítrio em jogo. Mesmo sem controle sobre os eventos, podemos gerenciar nossos processos de transição.
O maior problema para nossas organizações humanas é que nos acostumamos a ver a realidade de forma linear e mecanicista. Ainda acreditamos que podemos gerir organizações por meio de abstrações que só fazem sentido em reuniões e apresentações de PowerPoint. Com essas abstrações projetadas no ambiente em forma de metas, tentamos controlar os resultados, ignorando que a realidade está em constante transformação.
Sonja nos inspira a olhar nossas organizações como os navegadores polinésios encaravam o oceano infinito, encontrando caminhos na realidade momento a momento.
Ao invés de seguir um mapa com caminho e destino claros, essa forma “achadora de caminhos” (em inglês, “waysfinding”) nos orienta traçando caminhos mutáveis por meio de fronteiras inexploradas e paisagens em mudança. Não se trata de ter todas as respostas antes de partir, mas de aprender a encontrar nosso caminho à medida que avançamos.
Com base nessa inspiração, Sonja desenvolveu o framework Waysfinding. Junto ao nosso grupo de facilitadores, parceiros e clientes, testamos em diversas situações, obtendo insights animadores.
Como funciona o Waysfinding
A estrutura Waysfinding de Sonja pode ajudar a organizar seu processo de desbravamento. Aqui está uma visão geral:
- Orientação: O primeiro passo é reconhecer honestamente onde você está, mesmo que seja incerto ou desconhecido. Orientação não é sobre conforto, mas sobre verdade. Você deve confrontar a realidade atual para iniciar sua jornada. Onde você está agora e o que é possível a partir desse ponto?
- Definir direção: Metas específicas podem ser limitantes em um mundo complexo. Em ambientes inexplorados e em rápida mudança, precisamos escolher uma direção de viagem, não estabelecer destinos específicos. Um senso de direção permite coerência e flexibilidade para se adaptar conforme a jornada e a paisagem ao redor mudam. Qual horizonte está chamando você?
- Definir Guardrails (trilhos de proteção): À medida que navegamos no desconhecido, os guardrails fornecem segurança e foco. Não são regras rígidas, mas limites que nos ajudam a dar passos em novos territórios, minimizando danos. Eles nos mantêm no caminho certo enquanto permitem exploração segura. Existem dois tipos de guardrails:
- Limites: Locais onde não podemos ir ou restrições com as quais precisamos trabalhar, como leis de um país. Onde não podemos ir?
- Fronteiras: Locais que escolhemos não ir ou valores que nos guiam. Onde escolhemos não ir?
Uma vez que você tenha se orientado, definido a direção e estabelecido os guardrails, você terá um campo de opções seguro para explorar e experimentar.
Se fizer isso com outras pessoas, em um contexto organizacional, por exemplo, você pode fornecer autonomia para várias equipes explorarem diferentes áreas, mantendo a coerência dentro dos mesmos guardrails e direção.
- Feedback: Um aspecto crucial em um mundo complexo é o feedback. Este retorno vem do nosso ambiente, das pessoas ao nosso redor e de nós mesmos. Devemos ser responsivos, ouvindo os sinais que nos guiam para moldar nosso caminho e revisar nossa direção e guardrails ao longo do tempo. Como saberemos se estamos progredindo?
Hábitos mentais para Waysfinders
Criar uma cultura orientada para a Complexidade é, por natureza, uma cultura amiga da mudança e da inconstância. Mas como fomentá-la?
Para ser um waysfinder bem-sucedido neste mundo em transição, precisamos desenvolver novos hábitos mentais – formas de pensar que nos ajudam a abraçar a incerteza. Podemos seguir o acrônimo COOL para definir a postura necessária:
Coragem (Courage): Fronteiras estão na borda do desconhecido e nos convidam à Coragem.
Abertura (Openness): Como desbravadores, precisamos aprender, desaprender e reaprender. Vamos encontrar perspectivas diversas e novidades. Precisamos nos manter abertos.
Observação (Observing): À medida que encontramos nosso caminho, precisamos estar atentos à paisagem ao nosso redor, bem como aos padrões e mudanças emergentes. Também devemos manter a consciência de nossa capacidade interna e gatilhos. Devemos nos tornar Observadores atentos, ampliando o foco para nós mesmos e para o contexto ao redor, continuamente.
Leveza (Lightness): Estar na borda do desconhecido pode ser assustador; é fácil que a ansiedade se instale. Se aprendermos a ser brincalhões, a não nos levarmos tão a sério, e lembrarmos de ver a beleza ao nosso redor, a jornada do desbravador se torna mais leve.
Desbravamento é uma habilidade essencial para navegar nas transições complexas e sobrepostas do nosso tempo. Ao nos orientarmos, abraçando a direção em vez de metas fixas, utilizando guardrails e permanecendo abertos ao feedback, podemos aprender a navegar na incerteza com confiança.
Waysfinders não precisam de mapas – precisam confiar em sua capacidade de encontrar o caminho à frente, um passo de cada vez.