Rafael Souto mostra como o conforto da liderança após o sucesso se torna um risco estratégico e aponta caminhos para evitar a complacência

A maioria dos líderes gasta uma quantidade enorme de energia gerenciando a crise e o erro. Medimos o fracasso em todas as direções, criamos task forces para combatê-lo e, com razão, dedicamos tempo para aprender com os tropeços. Mas, e se eu disser que o maior risco para a sua organização não é errar?
O professor Sanjay Khosla, pesquisador sênior na Kellogg School of Management, trouxe essa reflexão de forma certeira: o maior risco é ficar confortável demais com o próprio sucesso.
Esse conforto, que Khosla chama de cozy, não é preguiça. Pelo contrário. É o perigo de líderes extremamente inteligentes e trabalhadores que se apegam aos produtos, processos e estruturas que deram certo no passado.
A armadilha está em replicar o modelo de ontem, justamente porque ele foi infalível. Quando um CEO diz “Este é o jeito que sempre fizemos as coisas na empresa”, ele está, na verdade, sinalizando o sintoma clássico do conforto fatal.
O sucesso cria uma inércia que nos cega para a necessidade da disrupção. Para a alta liderança, o conforto se manifesta de várias formas: custos que ninguém tem coragem de cortar porque a receita ainda é gorda; a complexidade interna que só serve para proteger feudos e não para atender o cliente; a crença de que a tecnologia que te fez líder de mercado há cinco anos continuará sendo relevante.
Enquanto isso, concorrentes mais ágeis, que usam inteligência artificial e novas tecnologias de forma eficiente, estão ganhando mercado na surdina. O que te fez “top” ontem pode te deixar preso amanhã.
A complacência é, portanto, a antítese do crescimento. É preciso ter a coragem de assumir que o ciclo de vida de qualquer produto ou processo, por mais confiável que seja, tem um fim. E o líder que não for brutalmente honesto consigo mesmo sobre a validade de suas próprias fontes de sucesso está terceirizando a disrupção para o concorrente.
Para sair dessa zona de conforto estratégico, a liderança precisa inverter a lógica de gestão. Não se trata apenas de cortar custos, mas de parar atividades que não agregam mais valor.
É necessário direcionar recursos de forma significativa para poucas prioridades futuras e, principalmente, estar disposto a calçar o sapato que aperta – ou seja, buscar e acolher ativamente opiniões divergentes e novas vozes que desafiam o status quo interno.
No fim, o conforto não é um prêmio pelo sucesso, é um teste de liderança. O verdadeiro líder não se apega ao mapa antigo, mas tem a coragem de rabiscar o novo, mesmo que a caneta falhe algumas vezes.

Rafael Souto
Fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado e membro do conselho da AMCHAM, é referência nacional no tema carreira e ministra palestras sobre o assunto.


