Redes de corporate alumni são estratégia para enfrentar a escassez de talentos, aponta Patrick Schneider

Houve um tempo em que as pessoas passavam uma vida na mesma empresa. Depois, vieram profissionais que topavam essa empreitada, desde que a empresa lhes desafiasse a cada dois ou três anos com novas posições. A partir daí, a mobilidade passou a ser um divisor de águas na carreira.
Na sequência, surgiu a expectativa de uma expatriação ou a participação relevante em projetos internacionais dentro da organização. Outras fases mais efêmeras vieram, tentaram se estabilizar, mas saíram de cena na mesma velocidade.
Hoje, temos um ambiente em que ficar 12, 18 meses em uma organização não é mais um elemento vexatório, que demande muita explicação ou justificativas a respeito do que funcionou ou não funcionou, o que motivou a saída. A discussão, em certa medida, perdeu relevância.
Claro que é preciso atenção e cuidado quando o assunto é construção de carreira, desenvolvimento de trajetória e até mesmo constituição da jornada de aprendizado que possa demonstrar-se colaborativo no mercado. Mas o que quero abordar aqui é como isso impacta num fato que se demonstra transversal a quase todas as organizações no Brasil: a atração de pessoas.
Vagas têm sido abertas e permanecido sem candidatos qualificáveis por um período maior que no passado. Lembro de ter atuado na liderança de processos de atração em 2010 e seu temido “apagão de talentos”, quando o déficit por profissionais formados em engenharias era assustador.
Naquele período, uma vaga em específico me traumatizou: engenheiro de hidráulica mobil. Com um mapeamento abrangente, contando com headhunters que mais se assemelhavam a arapongas, chegamos a três candidatos no país. O profissional com a menor remuneração entraria ganhando o que o diretor da área recebia na época.
Não estamos, nem de longe, vivendo uma situação dessas. Entretanto, o ambiente é confuso e demanda atenção. Com a taxa de desemprego estabilizada em patamares baixos – em alguns estados, como Santa Catarina, o índice é quase negativo em alguns segmentos –, é muito difícil contratar para posições da base industrial, serviços e logística. Outras indústrias também têm sofrido intensamente para conseguir completar seus quadros.
A BRF, vencedora do Prêmio Think Work Innovations 2025 na categoria Atração e Seleção, reinventa-se ciclo após ciclo e nos encanta com suas disrupções a cada ano. Ainda assim, locais na região do Cerrado e o mencionado estado da região Sul têm feito a equipe suar para preencher vagas.
Existem elementos que se impõem em ambientes de alta volatilidade, sazonalidade, risco elevado ou campos ainda pouco desenvolvidos em termos da oferta de profissionais qualificados.
Entre eles, estão a retenção do conhecimento, a continuidade de projetos em andamento e, em casos extremos, a manutenção do fluxo produtivo — como no apagão momentâneo de mão de obra vivido no último ano por empresas ao redor do porto de Itajaí.
Com o aumento das atividades presenciais e híbridas — e a exigência de retorno ao escritório para profissionais que se mudaram para longe — muitos têm optado por deixar suas empresas em busca de formatos mais alinhados às suas expectativas de vida e trabalho.
Esse movimento, observado em diversos países, tem levado pessoas a desafiar os modelos tradicionais e forçado as organizações a se reinventarem.
Um modelo que aponta para o futuro do trabalho – e confesso que é um dos que mais me empolga quanto mais me aprofundo – é a construção de uma estrutura de corporate alumnis: ex-profissionais de uma empresa que, mesmo após o término do contrato, podem seguir colaborando com temas importantes dentro da companhia, além de se beneficiarem de outras formas da ex-empregadora.
Ainda que muito pouco explorado em nosso país, o formato possui um potencial importante de contribuição.
Pense quantas vezes, como Recursos Humanos, decisões de redução de quadro por meio de layoffs obrigaram empresas a abrir mão de talentos que não deveriam ser perdidos. Ou quantos conhecimentos lapidados ao longo de uma longa carreira dentro da empresa que se rompem a partir de uma aposentadoria, vontade de empreender, mudar de país, projetos familiares — possibilidades trazidas pelo mundo moderno.
A construção de um modelo de alumni pode ainda servir fortemente para suavizar reclamações trabalhistas, manifestações ressentidas em redes sociais, cancelamentos à marca empregadora, entre outros efeitos contemporâneos da relação de trabalho.
Basicamente, em uma estrutura de alumni, busca-se manter talentos-chave no radar, acompanhando seus movimentos no mercado, na academia, em projetos de voluntariado ou em novos empreendimentos.
Não é apenas uma forma de mantê-los por perto, mas de contar com seu conhecimento em trocas com equipes internas, em processos de aprendizagem e projetos em desenvolvimento, ampliando o verdadeiro significado da palavra colaboração.
Por outro lado, a empresa pode continuar apoiando o desenvolvimento de profissionais que, por alguma razão, tiveram seus ciclos interrompidos. Isso pode ocorrer por meio de ambientes de aprendizagem não vinculada, com modelos assíncronos e até atividades síncronas voltadas à evolução de carreira, oferecendo recomendações e suporte ativo no eventual luto causado por uma ruptura inesperada.
Em grupos de alumni, o painel de posições disponíveis tem alavancado recomendações, com resultados muito bem-sucedidos no Vale do Silício e em empresas baseadas na Europa, mesmo em ambientes ultrarregulados por entidades sindicais, como Itália e Alemanha.
O modelo foi importado das grandes instituições de ensino ao redor do mundo, que buscam manter seus ex-alunos ao alcance dos olhos, especialmente os mais bem-sucedidos ou com maior potencial para seguir trabalhando em temas desenvolvidos pela instituição.
Tenho gerenciado dois grupos dessa natureza, e as trocas são bastante ricas. Sem contar que novas iniciativas das escolas de negócios são compartilhadas nesse ambiente, trazendo um retarget em novas propostas educacionais.
O fundamental nesse tipo de empreitada é construir um ecossistema de trocas fluidas e generosas, capaz de sustentar um relacionamento genuíno para além do contrato tradicional de trabalho. Isso inclui criar conexões em rede e acessar dados — estruturados e não estruturados — que dificilmente emergem nas pesquisas realizadas durante o vínculo empregatício.
Gosto de chamar esse tipo de estratégia de “flecha de muitas pontas”: múltipla, precisa e adaptável. Tão necessária no ambiente em transformação que estamos vivendo em termos laborais.
O trabalho no futuro possui diferentes dimensões, como já mencionado: empregabilidade, hierarquia, o formato e papel das organizações na sociedade, o vínculo com as empresas — que nem sempre é empregatício —, o local do trabalho, o significado da função laboral. Tudo está sobre a mesa, em constante desconstrução e remodelagem.
Perceber os profissionais como potencial para além do contrato de trabalho tem se mostrado uma alternativa viável ao debate monocromático sobre adoção de novas tecnologias, recorrentemente colocadas no centro das discussões sobre os próximos capítulos da função trabalho.
Trabalhar é um verbo em desconstrução e ressignificação. A área de RH mais atenta colabora com a definição dos contornos desse ambiente vivo.



