Em 2019, em uma decisão judicial inédita, companhia de telecomunicações francesa foi acusada de criar um ambiente de assédio moral institucionalizado
Entre 2006 e 2009, 19 funcionários da France Télécom se suicidaram, outros 12 tentaram se matar e oito sofreram de depressão grave. A razão desse horror? O ambiente corporativo tóxico, segundo o parecer de uma corte francesa.
Na época, a companhia de telecomunicações francesa saía de um processo de reestruturação e privatização e tinha como meta cortar 22 mil pessoas. Mas, quando os programas de demissão voluntária não diminuíram o quadro de pessoas como o esperado, os executivos criaram um plano para obrigar os funcionários a sair da empresa.
Segundo um inquérito aberto contra a empresa a pedido de um sindicato francês, em 2009, técnicos experientes foram rebaixados, gerentes que não demitiam empregados no ritmo que a liderança esperava eram taxados de incompetentes e perseguidos; e até mesas e crachás eram retirados dos trabalhadores.
O assédio moral era tanto que um dos funcionários deixou uma carta de suicídio que dizia o seguinte: “Estou cometendo suicídio por causa do meu trabalho na France Télécom. Essa é a única razão.”
Pesquisas sindicais revelaram que dois terços dos entrevistados estavam estressados e metade queria se demitir. Na época, os médicos do trabalho da empresa haviam alertado o diretor de Recursos Humanos que muitos funcionários sofriam de problemas de saúde mental, incluindo ansiedade e depressão e distúrbios do sono.
Mas nem isso foi o suficiente para barrar o cenário de horror instaurado na companhia. Como consequência, em 2019, um tribunal francês considerou que, naqueles anos, os executivos da empresa fomentaram um ambiente de assédio institucionalizado para provocar a saída dos funcionários.
Na decisão judicial inédita, os executivos da operadora foram condenados a um ano de prisão e a France Télécom teve de pagar 75 mil euros de multa. Os réus também foram condenados a arcar com cerca de 3 milhões de euros de indenização às vítimas.
Com o aumento do número de casos de doenças mentais, enquanto muitas empresas desafios nos negócios, cabe às companhias uma reflexão sobre até que ponto seu ambiente pode ser prejudicial à saúde dos funcionários. Embora seja extremo, o caso da France Télécom serve de alerta para muitas organizações.
“O caso da France Télécom mostra o risco e o potencial de prejuízo à saúde dos trabalhadores quando as empresas que enfrentam ameaças competitivas severas adotam como única saída reestruturações em massa. Enquadrar os cortes como o único impulso para salvar uma empresa pode fazer com que meios extremos pareçam justificáveis”, disse Cynthia Montgomery, professora de administração de empresas na Harvard Business School e que escreveu um estudo sobre o que ocorreu na companhia francesa.