“As organizações tradicionais não têm a menor chance de atrair os melhores talentos”

José Renato Domingues, vice-presidente da CTG, analisa o WebSummit pela perpectiva de sociedade, tecnologia, economia, meio ambiente e política

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Estive recentemente no WebSummit, o evento de tecnologia e inovação realizado em Lisboa. Vou contar  sobre o encontro de um ponto de vista amplo, usando o acrônimo Steep (formado pelas palavras society, technology, economics, environment e politics).

A sigla traz o sentido de íngreme (steep, em inglês), característica que marca a curva de crescimento acelerado buscada por startups, investidores e por quem anseia mudar o mundo e resolver os problemas do planeta.

O público era de gente ligada ao mundo dos negócios, que compartilhava valores e crenças como autonomia e livre iniciativa. Além da fé em um modelo de negócio no qual é preciso ter uma grande ideia, saber monetizá-la bem por alguns anos e crescer o número de clientes e usuários. Até que a empresa seja investida, comprada ou se torne um unicórnio, para então abrir o capital em uma bolsa de valores. Essa jornada deve ser íngreme. Quão íngreme? Entre a primeira rodada e se tornar unicórnio, o valor da empresa precisa crescer entre 150 e 400 vezes, em cinco a oito anos.

Essa massa de empreendedores, investidores e acadêmicos são otimistas e positivos em relação à capacidade de todos atingirem o sucesso. Sua psique os orienta a não desistirem, aprenderem com os próprios erros e com os erros alheios. Compartilham fracassos e falam sobre isso abertamente.

Na sua empresa, você convive com líderes otimistas, que compartilham seus erros com orgulho e se interessam pelos erros dos outros?

A resposta que escuto com frequência é “não”. Enquanto o WebSummit reúne um grupo que não só quer resolver grandes problemas, mas que acredita piamente que vai conseguir – e que segue colaborando e dividindo seu aprendizado na jornada –, o que vejo e ouço diariamente nas grandes corporações vai em direção oposta.

Conversei com fundadores de duas unicórnios de Portugal. Eles transmitiam essa positividade e tentavam influenciar tantos quanto podiam. Se orgulhavam de serem pioneiros, mas buscavam encontrar outros e ajudá-los nessa jornada. Além disso, eles criaram em suas empresas um ambiente de trabalho atraente para as pessoas.

Um desses fundadores, Vasco Pedro, da Unbabel (uma quase unicórnio que ajuda o mundo a falar o mesmo idioma), ressaltou a importância de passar tempo com seus sócios e equipes. Em “retiros estratégicos”, eles dialogam, surfam, cozinham a própria comida e constroem laços culturais fortíssimos que sustentam a atratividade da empresa no mercado europeu. A Unbabel está entre as melhores companhias para se trabalhar da Europa e Estados Unidos. Ao visitar sua sede, respiramos um ar carregado de entusiasmo, ativado pela liderança que sabe que seu trabalho não é só o de produzir, controlar e reportar, mas inspirar as equipes a dar o seu melhor.

Aqui fica o alerta: as organizações tradicionais não têm a menor chance de atrair os melhores talentos quando comparadas com uma Unbabel. Não me refiro só a jovens profissionais, já que a empresa é procurada diariamente por executivos experientes que querem colocar suas competências a serviço de um propósito interessante e conviver com gente como o Vasco e os demais cofundadores da Unbabel, seja surfando ou trabalhando.

No aspecto tecnológico, uma mudança. Hoje, as startups são experts em resolver questões pontuais e desenvolver soluções verticais. Na área médica, por exemplo, uma empresa buscava monitorar ex-pacientes oncológicos para ajudar os médicos a saber como eles se recuperavam depois de finalizarem o tratamento. Perguntei se pretendiam ampliar a solução para os cardiologistas. E a resposta foi negativa, pois “ainda há muito a crescer” entre os oncologistas. Anos atrás, as startups queriam que seus apps escalassem rapidamente para públicos amplos. O papel de entregar soluções horizontais está ficando para hubs, aceleradoras e ecossistemas.

Vale o mesmo para o investimento. Startups fundadas por ex- médicos, ex-arquitetos e ex-advogados têm sido as preferidas dos fundos no aporte de capital. Os especialistas, acreditam os investidores, criam mais valor porque sabem onde estão os problemas. HRTechs também vêm se destacando, mas por causa da baixa qualidade da gestão de pessoas no mundo corporativo. Os clientes internos das grandes empresas preferem as soluções desenvolvidas pelo mercado em vez das oferecidas pelo seu próprio RH.

Contudo, as estrelas do WebSummit foram as cleantechs e as climatechs, que impactarão os negócios tradicionais ao trazer soluções para as questões ambientais ligadas ao uso de recursos naturais e ao arrefecimento do aquecimento global. Essa é a pauta mais importante nos conselhos de administração e comitês executivos onde o ESG (sigla para meio ambiente, responsabilidade social e governança corporativa) já passou da retórica. Se faltam essas soluções nas empresas é porque não sabemos como fazê-las nem temos os talentos para isso.

São esses talentos que preferem surfar com os fundadores de uma startup do que se submeter a horas de reunião que visam apenas apresentar slides para o vice-presidente de uma área. Sendo otimista, as startups vão ajudar as grandes companhias a colocar o ESG em prática mais rápido – mas os talentos serão delas.

O WebSummit bateu recorde de público, com 42.000 visitantes únicos em três dias. Um grupo tão grande chama a atenção dos políticos. Tanto que o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, fez o fechamento do encontro, garantindo que o WebSummit acontecerá em Lisboa até 2028. Com isso, ele atrai visitantes e turistas, e movimenta a economia criativa.

Porém, os políticos não estão interessados em melhorar sua gestão nem os serviços aos cidadãos. Essa constatação foi reforçada em um painel com Rodrigo Baer, gestor do fundo de investimento SoftBank. Ao ser perguntado em qual segmento pretende aplicar os 8 bilhões de reais que tem em caixa, respondeu que seria em startups capazes de melhorar os serviços públicos e o atendimento aos cidadãos, tornando as burocracias estatais e as autarquias mais ágeis, eficientes e geradoras de valor.

Como investidor, anotei a dica. Mas eu avisei no começo deste artigo que esse pessoal era bem otimista, não foi?

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José Renato Domingues
José Renato Domingues

É conselheiro, executivo e investidor anjo em startups. Atua como conselheiro de administração em grandes empresas e é vice-presidente corporativo na holding da CTG. Escreve sobre as mudanças na sociedade para a Think Work.

Comentários “As organizações tradicionais não têm a menor chance de atrair os melhores talentos”

  1. Marcelo ULisses Souza Cordeiro disse:

    Poder ter contato com tendências em negócios e os demais assuntos discutidos por pessoas que estão construindo mega corporações não tem preço .

    Obrigado Zé, por compartilhar!

  2. Maíra Leme da Silva disse:

    Muito bom!!

  3. Marcelo Egéa disse:

    É muito bom saber que existem executivos como você, JR, com uma visão clara sobre nossas oportunidades, não só dos desafios. Parabéns!

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