“O mundo não está preparado para lidar com pessoas autistas”

Diagnosticado com autismo e TDAH, Thomas Nader revela como a descoberta lhe permitiu buscar formas mais saudáveis de se relacionar com o mundo e com o trabalho

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Desde criança, sempre soube que tinha Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Era algo que explicava minha dificuldade em me concentrar, controlar impulsos e lidar com a hiperatividade. No entanto, foi apenas na fase adulta que descobri um outro marcador: além de ser um homem trans com TDAH, recebi o diagnóstico tardio de autismo.

Essa descoberta foi um processo de autoconhecimento, ao perceber que algumas de minhas particularidades – que o TDAH não explicava – faziam parte de um espectro que eu jamais havia considerado.

Como muitas outras pessoas diagnosticadas com autismo tardiamente, vivi grande parte da minha vida sem perceber as nuances dessa condição. Sempre interagi bem socialmente, me comunicava com facilidade e participei de atividades que não pareciam se encaixar na visão popular do que é ser autista.

Contudo, haviam pequenos aspectos que me destacavam – o cansaço mental após interações sociais intensas, a extrema sensibilidade a certos estímulos e a dificuldade de me ajustar a normas sociais que, para outros, pareciam naturais. Todas essas características, antes vistas apenas como peculiaridades, passaram a fazer sentido.

Isso nos leva à questão central deste artigo: o mundo ainda não está preparado para lidar com pessoas autistas que não correspondem aos estereótipos convencionais.

Na visão da sociedade, ser autista geralmente é sinônimo de alguém não-verbal, isolado ou que exibe comportamentos mais marcantes, como balançar o corpo repetidamente. Contudo, o autismo é um espectro, e há tantas formas de ser autista quanto há pessoas autistas. Quando não correspondemos a esses estereótipos, nossa vivência é invisibilizada, tanto no diagnóstico quanto no entendimento de nossas necessidades.

Um dos maiores desafios que enfrentei foi distinguir as fronteiras entre o que o TDAH explicava e o que fazia parte do autismo. Enquanto o TDAH abrange questões como impulsividade e desatenção, o autismo trouxe à tona uma percepção diferente, relacionada à minha forma de processar o mundo. Coisas como sobrecarga sensorial, obsessão por detalhes e a sensação constante de que as interações sociais exigiam mais de mim do que de outras pessoas. Descobrir o autismo foi como encontrar uma peça que faltava no quebra-cabeça de minha identidade.

Mas a sociedade, especialmente em ambientes corporativos, ainda está atrasada nesse entendimento. Frequentemente, locais de trabalho, escolas e até círculos sociais esperam que todos os autistas sejam não verbais ou com dificuldades severas de comunicação. Isso resulta em falta de acomodação para autistas que conseguem se comunicar verbalmente ou que desempenham atividades sociais, mas que, ainda assim, enfrentam barreiras invisíveis que impactam seu bem-estar mental.

No mundo de trabalho, por exemplo, a pressão para se ajustar às normas sociais e a falta de sensibilização para as necessidades de neurodiversos tornam o espaço exaustivo e, muitas vezes, excludente. Em ambientes que demandam muito esforço interpessoal ou mudanças rápidas, pessoas autistas que, como eu, descobriram sua condição na fase adulta podem sentir uma pressão esmagadora para mascarar suas dificuldades e se ajustar ao esperado.

Ainda assim, essa jornada de autodescoberta trouxe também um imenso alívio. Receber o diagnóstico me ajudou a compreender muito melhor quem eu sou, além de validar experiências e dificuldades que antes pareciam isoladas.

Descobrir que sou autista permitiu que eu buscasse formas mais saudáveis de me relacionar com o mundo, ajustando minhas expectativas e criando um espaço mais amigável para mim mesmo. Também permitiu que eu explicasse a outras pessoas ao meu redor que certos comportamentos meus não são uma escolha, mas uma característica intrínseca.

O diagnóstico tardio de autismo não só afeta a forma como nos vemos, mas também como a sociedade nos vê. A falta de representatividade de autistas adultos no discurso público cria um vazio perigoso, onde pessoas como eu não se veem refletidas e, portanto, têm dificuldades em reconhecer sua própria neurodivergência. O estereótipo limita o entendimento sobre o espectro autista, fazendo com que muitos autistas adultos passem anos sem um diagnóstico, lutando para entender por que se sentem “diferentes” e invisibilizados.

O autismo em adultos, especialmente em aqueles que lidam com outras condições como o TDAH, precisa ser discutido com mais profundidade. Quando expandimos o entendimento do que é ser autista, damos mais espaço para que pessoas possam se enxergar fora dos moldes rígidos estabelecidos pela sociedade. O espectro autista inclui uma vasta gama de experiências e habilidades, e é crucial que essas nuances sejam reconhecidas para que a inclusão possa de fato acontecer.

A descoberta do autismo na fase adulta é tanto um alívio quanto um desafio. Um alívio porque finalmente conseguimos entender por que nos sentimos diferentes, e um desafio porque enfrentamos uma sociedade ainda presa a velhos estereótipos.

Para avançar, é essencial que as conversas sobre neurodiversidade se tornem mais inclusivas, compreendendo o espectro em toda a sua amplitude e permitindo que pessoas autistas se sintam vistas, compreendidas e, acima de tudo, respeitadas em suas particularidades.

Essa ressignificação do autismo não apenas amplia a compreensão social, mas também oferece uma oportunidade de criar ambientes mais diversos e inclusivos, onde todos – independentemente de onde se situam no espectro – possam prosperar.

Thomas Nader

Especialista de RH Business Partner e Diversidade. Criador de conteúdo sobre mercado de trabalho para a comunidade trans.

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