A IA nos libertará para o significado?

Para a Today, Marcelo Cardoso escreve sobre as consequências da IA para o desenvolvimento do pensamento humano

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Quem me acompanha sabe que os tópicos do propósito de vida e o significado do trabalho são constantes em minhas falas, workshops e artigos. Agora, com o tema quente da Inteligência Artificial e seus desdobramentos, isso se torna ainda mais presente nas perguntas que me fazem no dia a dia, e desta forma, nas minhas reflexões.

Não temos a mínima ideia de como iremos evoluir nessa relação com a IA e a tecnologia de uma forma mais ampla. A história nos faz sempre manter nossos temores e, ao mesmo tempo, nos dá motivos de esperança. Cada inovação é sempre acompanhada de boas e más notícias.

Quando olhamos para a história humana, após a Idade do Bronze, ocorreu a chamada Revolução Axial. Foi um período em que houve um avanço na capacidade cognitiva humana para o “pensamento de segunda ordem”. Essa foi uma conquista que se deve à popularização e padronização dos alfabetos no mundo antigo, pois com a escrita, o ser humano pôde ser capaz de registrar seus pensamentos e voltar depois para eles, exercendo a metacognição (estar ciente da própria cognição) e assim poder corrigir o próprio pensamento.

Este é um exemplo de como uma nova tecnologia foi capaz de se integrar à mente humana e transformá-la para sempre. Nos adaptamos e evoluímos nos relacionando com nossas próprias criações.

Foi neste período que surgiram as grandes tradições religiosas e houve o florescimento da filosofia na Grécia antiga. Com capacidade para a metacognição, o ser humano foi capaz de ver o mundo em duas dimensões: a vida cotidiana cheia de imperfeições e falhas humanas e um ideal de perfeição que seria atingido pela sabedoria e cultivo de comportamentos virtuosos.

A Revolução Axial foi importantíssima para essa intenção humana de buscar pelo desenvolvimento e pela autocorreção (embora, naquela época, limitada pela interpretação possível do nível de consciência geral do período). Por outro lado, acredito que criou, no ser humano (especialmente ocidental), uma espécie de cisão entre a ética da espiritualidade e a ética do cotidiano do trabalho. 

No primeiro caso, exercida pelos religiosos e pelos filósofos, havia a dedicação em torno do significado das coisas e da busca pela sabedoria. Buscava-se uma elevação do ser, normalmente de forma “descorporificada”. 

E ao corpo cabia a ética do trabalho. A identidade do trabalho resumia-se ao esforço para sobreviver, a qualquer custo. Explorávamos o nosso corpo e o corpo dos outros através da escravidão.

Essa segunda ética, ferramental e utilitária da vida, também pôde evoluir à medida que surgiram os diversos avanços tecnológicos. Com o advento das máquinas de vapor e explosão, a força física deixou de ser o principal ativo do trabalho, pois tínhamos a máquina para essa tarefa, e a capacidade mental de raciocínio e lógica começou pouco a pouco tornar-se a fonte primária do significado do trabalho, liberando de certa forma o corpo para outro tipo de significado para o ser humano.

Com o surgimento da capacidade computacional e agora, com a revolução causada pela Inteligência Artificial, uma nova etapa se avizinha. Nossa mente lógica está deixando de ser a fonte de valor e de significado, e estamos agora nos deparando com um grande ponto de inflexão sobre o futuro do nosso trabalho e da nossa própria mente.

Como disse antes, há sempre boas e más notícias, e sobretudo incertezas… Sabemos que há questões muito sérias sobre regulamentação da IA, sobre governança e a capacidade infinita humana de produzir caos e riscos ao se apropriar de novas tecnologias com baixo nível de consciência, mas eu tenho uma hipótese para o potencial futuro para o ser humano, nesse tema do significado do trabalho.

Se a mente lógica e racional deixa de ser a fonte do valor e do significado do trabalho humano, talvez o que nos resta é refazer a ponte entre o mundo cotidiano do trabalho com o mundo do significado e do propósito das coisas, coisas que foram delegadas na antiguidade como função das religiões e filosofias. 

Se a busca pela sabedoria será a próxima revolução do trabalho humano, ainda não sabemos, mas é uma busca que acredito que seja muito estimulante e pela qual valeria a pena vivermos. 

<strong>Marcelo Cardoso</strong>
Marcelo Cardoso

Executivo com mais de 25 anos de experiência, tendo ocupado diversas posições em companhias de variados segmentos e países. É fundador e integrador da Chie.

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