A solução aos “inempregáveis” do futuro

Os “inempregáveis do futuro”, tema que há muito assombra os estudiosos do futuro do trabalho, podem virar realidade no Brasil antes do que o previsto

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Uma entrevista concedida em 2018 chocou o ambiente do trabalho ao afirmar que “[…] até 2050 existirá uma nova categoria de desempregados, os não empregáveis”. Tal afirmativa foi compartilhada por Yuval Noah Harari ao jornal The Guardian, quase um ano depois de seu célebre artigo “The meaning of life in a world without work“, que trouxe espanto na mesma medida que gerou reflexões.

O que Harari tentou alertar em sua entrevista foi a percepção pessoal de que as futuras mudanças laborais devem gerar carreiras que superarão as existentes hoje e que poderão demandar dos profissionais uma rápida requalificação sob pena de tornarem-se “inempregáveis” no futuro. 

Gosto de refletir em ambientes de desenvolvimento profissional um pouco mais do pensamento do escritor e invariavelmente o que escuto é algo do tipo “2050? Isso é muito otimismo, acredito que isso ocorrerá em 2028!” como escutei há poucos dias ministrando uma aula sobre estratégia de talentos na Universidade de Miami de um executivo saudita. 

Ao olhar para o Brasil, a fala de Harari deveria reverberar ainda mais alto. 

Somos um país que luta há quase quatro décadas contra o analfabetismo, sofremos impactos terríveis na educação pela recente pandemia, temos um déficit educacional enorme mesmo quando comparados com alguns de nossos vizinhos latino-americanos, e por fim, temos uma forte corrente afirmando que a universidade não é um ambiente viável de preparação profissional e por isso ela deveria acabar. 

Que alternativas viáveis teríamos então para superarmos a profecia entoada pelo historiador israelense?

Vejo poucas pessoas pensando a respeito dentro das organizações e ainda que existam alguns movimentos, estes delegam um protagonismo a entidades do chamado terceiro setor.

Assim como para ser contracultura é necessário antes de tudo se ter cultura, para que exista requalificação seja ela por upskilling, para manter-se relevante na área atual de atuação, ou de reskilling, para migrar de área/carreira, antes de mais nada precisamos ter um pacto pela qualificação ou nos afastaremos muito do polo desenvolvimentista existente no ambiente do trabalho.

Bem, mas não seria viável esperar as mudanças para se qualificar? 

Esta pergunta na verdade se reverte em uma estratégia da geração de jovens identificados como “nem nem” aqueles que “nem trabalham” e “nem estudam” e que teriam condições socioeconômicas para fazê-lo. Estes provavelmente conseguirão defender-se com o apoio de ascendentes financiando um movimento rápido instrucional. 

Agora, quem está pensando nos “nem nem” que estão suscetíveis a esta condição por falta de oportunidades?

Me parece a hora de termos uma coalizão, valendo-se do terceiro setor e da parceria público-privada, para discutirmos o futuro do trabalho à luz do ODS 08 da Agenda 2030, que visa desenvolver alternativas sustentáveis para a ampliação do trabalho decente e crescimento econômico. 

Enquanto lotam-se auditórios para se falar de Inteligência Artificial e um apocalíptico futuro do trabalho, há um deserto debate sobre a evolução humana neste contexto.

Dizer apenas que há uma necessidade de requalificação no curto espaço de tempo sem discutir incubadoras profissionais como o SENAI, universidades, ações afirmativas educacionais ainda mais abrangentes e antídotos à evasão escolar, possivelmente perderemos a relevância profissional em tempo recorde frente a outras nações. 

Entendo que os dados do último censo quanto ao envelhecimento da população e o acelerado crescimento da informalidade no Brasil precisam igualmente integrar este debate. Trabalharemos mais tempo que as gerações anteriores, por conta do aumento da expectativa de vida e ainda que por um lado há uma preocupação proeminente sobre quem pagará pela nossa aposentadoria, frente ao déficit entre entradas e saídas no INSS, é necessário pensar em quem manterá o país economicamente ativo após sairmos de cena.

Um eventual esvaziamento do debate neste sentido pode nos colocar em um vale ainda mais profundo e obscuro que a tão temida necessidade de requalificação.

Em seu mais recente livro intitulado “The Future of Work”, Jacob Morgan introduz a necessidade de se integrar habilidades como jogar xadrez e atividades culturais, como aprender um instrumento musical, como elementos de expansão de nossa plasticidade cerebral e que poderiam colaborar em muito na adaptação a um mundo em rápido progresso. Talvez estas sejam alternativas dentro do campo da inteligência social adaptativa. 

Entretanto, sozinha ela não conseguirá dar conta de taxas em franca queda no índice de educação formal brasileira. Temos gaps mais profundos a serem tratados e que demandam fazermos a leitura adequada do contexto social de nosso país. 

Agora estamos vivendo uma oportunidade de pensarmos e implementarmos estratégias integradas educacionais mirando um plano de requalificação para profissionais já inseridos no mercado, bem como de inserção com qualidade de profissionais que estão tentando obter o primeiro emprego. 

Desafiarmos as previsões de chuva é um caminho, construirmos uma arca é outra. As duas trarão impactos importantes, mas precisamos pensar em quais delas a história nos colocará ao contar sobre o momento de decisão que estamos vivendo. 

Patrick Schneider

 

Executivo de RH, escritor e pesquisador na temática futuro do trabalho.

 

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