Para não dizer que não falei de robôs

Patrick Schneider explora o impacto dos robôs e da IA no futuro do trabalho e a importância da singularidade humana

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Após me apresentar como pesquisador do futuro do trabalho, a pergunta que inevitavelmente surge é: “Os robôs ocuparão nossos lugares nas empresas?”

Seja em painéis abertos ao público ou em conversas com grupos específicos de empresas, percebo que as pessoas buscam respostas em um ambiente que raramente as oferece.

Por isso, antes de responder a essa questão, faço duas perguntas. A primeira é: Você está baseando suas decisões de carreira nesta pergunta? Se a resposta for “sim”, sim, eles tomarão nossos empregos. A segunda é: O que faremos a respeito disso enquanto recursos humanos?

O alvoroço causado pelo bombardeio massivo de informações sobre o uso de inteligência artificial, e a ansiedade vertiginosa em torno do tema, fazem com que pessoas com um mínimo de conhecimento tecnológico subjuguem outras que buscam algum tipo de informação confiável sobre o assunto. Essa dinâmica me leva a questionar se o verdadeiro perigo seria realmente o uso de robôs ou a incapacidade humana diante do novo.

Como já mencionei em outras colunas aqui no Think Work Lab, há alguns anos abandonei as certezas e passei a trabalhar mais com suposições – o papel de pesquisador exige isso.

Sendo assim, percebo nas pessoas um movimento acelerado em busca de pertencimento ou de manter-se relevante. Talvez, por isso, a necessidade por estar conectado com a inteligência artificial seja mais uma tentativa de se manter atualizado do que um desejo genuíno de entender como extrair melhor valor dela.

É um pouco do que Eric Schmidt, ex-CEO do Google e autor do livro A Era da IA, mencionou em sua conferência para o Wall Street Journal, intitulada “A inteligência artificial ameaça seu trabalho?”. Em sua visão, as pessoas têm um papel vital na transformação do ambiente ao seu redor, portanto, a inteligência artificial só será um risco se assim o permitirmos.

Não é segredo para ninguém que sou um grande fã da saga Star Wars. Portanto, recorro a ela para corroborar meu ponto de vista. Sempre que o robô C3PO se metia em apuros e precisava de reparos, era outro robô, o R2D2, que aparecia para resolver o problema, mas era o humano Luke Skywalker quem tinha a capacidade de desligá-los sempre que necessário.

O medo recorrente de que seremos superados pelos robôs no futuro pode ser amplificado pelas notícias de que os avanços tecnológicos estão eliminando postos de trabalho globalmente. Infelizmente, as narrativas do mundo virtual muitas vezes nos afastam da realidade, impondo as expectativas de analistas e pesquisadores.

É fato que 2024 começou eliminando empregos, não por conta de novas tecnologias, mas por uma velha conhecida do ambiente organizacional: atingir os resultados financeiros ou reduzir custos, como noticiado pelo jornal O Globo com o título “2024 começa com rodada de demissões em empresas de tecnologia”.

Recentemente, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou um estudo que apontou que 40% da força de trabalho mundial será afetada pelos avanços da IA e posicionou o Brasil em 15º lugar como um país preparado para receber as novas tecnologias. O índice leva em conta quatro dimensões: Infraestrutura Digital, Inovação-integração, Capital Humano e Regulação-Ética. Segundo o órgão, há uma clara exposição para a eliminação de postos de trabalho no país.

O medo de um fator externo minar empregos está presente desde o início do trabalho subordinado, nas organizações de ofício da Idade Média. Naquela época, aprendizes e companheiros buscavam entregar uma obra-prima para se tornarem mestres, sem saber que apenas os mestres, no topo da pirâmide, reconheceriam tal feito, promovendo-os a um posto ainda mais alto. Talvez fossem os primórdios do planejamento da força de trabalho ou estruturas de headcount limitando o crescimento vertical.

Seja o medo sem ação ou movimentos futuristas sem embasamento, o tema exige a atenção do RH, que pode oferecer valor substancial ao mercado de trabalho. O RH pode atuar como Designer Organizacional, matéria na qual o consultor Marco Ornellas lidera a discussão no Brasil; ou como Designer de Experiências, proposto por Alexandre Teixeira em seu livro O dia depois de amanhã. (Vale uma ressalva: essa se diz a primeira obra com prefácio assinado pelo ChatGPT.) Ou, ainda, o RH pode revisitar o que é ser um business partner, como propõe Lídia Mancia e sua equipe, já que temos muitos “partners” e poucos “business” dentro da área de recursos humanos, segundo colegas de outros departamentos.

Ainda que exista um risco real, parece-me mais prudente buscarmos a atualização dentro de nossa área profissional, mais por força do passado e do presente, do que por riscos do futuro.

Propositalmente, o título da coluna brinca com o título da canção “Para não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, com seu célebre refrão “Vem, vamos embora | Que esperar não é saber | Quem sabe faz a hora | Não espera acontecer”.

Ainda que este tenha óbvia conexão com o texto, na verdade, o que mais me encanta nesta música, e que levou a escolher o título, é a estrofe que diz “Ainda fazem da flor | Seu mais forte refrão | E acreditam nas flores | Vencendo o canhão”. Isolado o fato de que a canção se levanta contra uma ditadura militar existente no país à época, há espaço para empréstimo lírico do autor, para nosso ambiente com linda flor, dificilmente emulável pela máquina: a singularidade humana que cada um de nós carrega consigo.

 

Patrick Schneider

 

Executivo de RH, escritor e pesquisador na temática futuro do trabalho.

 

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