Com o emprego em extinção, ações afirmativas seriam bem-vindas?

Para a Today, Patrick Schneider escreve sobre a resistência de parte do mundo corporativo às ações afirmativas e de diversidade

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Tempos atrás, participei de um debate sobre ações afirmativas no Brasil e o importante impacto positivo trazido por estas nas ocupações dos centros de poder. 

Curiosamente no evento, ao abrir para perguntas, nenhum dos questionamentos foram no sentido da ampliação das ações deste tipo, tendo em vista que o país ainda possui um imenso vale social ocupado por pessoas sub-representadas nas universidades, nas organizações, sejam da esfera pública ou privada, e nos ambientes de lazer. 

Ao contrário, os questionamentos emergiram em suas flexibilizações ou relativização em detrimento de fatores situacionais específicos como limitação de headcount para as empresas ou o pagamento de uma conta a qual não se viam como devedores.

A gênese da conexão imediata entre ações afirmativas e cotas emergem de um termo ainda pouco enfrentado no debate acerca da diversidade, equidade e inclusão (DEI) em ambientes de tomada de decisão na sociedade, sendo privilégio a palavra em questão.

Recorrentemente, em ambientes de debates como o que fui convidado, gosto de trazer para o centro do pensamento compartilhado os “benefícios invisíveis” aportados às pessoas que figuraram no ambiente em que este manto protetor se inclina para resguardar sua trajetória como uma linha reta empedrada por talento, sacrifício e meritocracia, porém que diretamente só foi possível por privilégios.

Compreender que em um restaurante pessoas brancas encontram-se sentadas, sendo servidas por pessoas não brancas e que isto é uma realidade brasileira, não mais é suficiente, já que o antídoto a uma constatação como esta é pensarmos o porquê isso ocorre, e mais, como fazemos para mudar esta realidade. 

Entender que em tradicionais sensibilizações de DEI, ao ser perguntado quantas pessoas pretas, LGBTQIAP+, mulheres, pessoas com deficiência, refugiados, entre outras pessoas sub-representadas na sociedade existiam nas salas de aula das graduações, MBAs e mestrados frequentados pelos participantes, e que invariavelmente se você possui mais de trinta anos a resposta seria algo muito próximo a zero, a compreensão de que nós fomos beneficiados pelo racismo, machismo, homofobia, capacitismo, etarismo, dentre outras formas de preconceito que afastaram estes grupos de pessoas daquela ambiente é fundamental para evoluirmos no debate. 

Antônio Lopes, técnico de futebol que em sua manifestação ao desligar-se de sua última equipe treinada no Brasil, afirmou que ainda que você seja homem, branco, heterossexual, não seja uma pessoa com deficiência, seja egresso da classe média, se tiver sorte, um dia chegará à velhice e isso lhe apresentará inúmeras formas de preconceito com a sua presença naquele espaço. 

O treinador aposentou-se dos campos aos 76 anos de idade, onde segundo sua carta de despedida, só se dirigiam a ele como uma pessoa velha demais para colaborar com o esporte. O que falar do talento indelével de Fernanda Montenegro e sua importância nos palco aos seus 93 anos de idade?

Ações afirmativas existem, segundo o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa, como:

um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate a discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticadas no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.

Se isolarmos o final do texto acima, “…efetiva igualdade de acesso […] educação e o emprego”, aliado a estudos que apontam que a longevidade média da população mundial até 2030 será de 90,8 anos, somado ao temor recorrente do domínio de funções laborais tais quais conhecemos hoje por máquinas, pode-se afirmar que invariavelmente todos os seres humanos da Terra precisarão em alguma medida de ações afirmativas para manterem-se ativos no futuro.

Toda a vez que me debruço sobre o tema renda básica universal como fator de manutenção da vida na Terra e alternativa a extinção em massa dos postos de trabalho, penso que em um futuro próximo, precisarão ser feitas reservas de mercado para a ocupação humana de certas funções. 

O tema, porém, seria uma ruptura muito grande para pessoas como as que participavam do mencionado painel. 

Enxergarmos de modo expandido a função trabalho na sociedade e o impacto de nossas atividades no acesso de grupos excluídos por força do preconceito destes ambientes, nos ajuda a refletir sobre a questão a partir de um novo lócus social. Um local de vulnerabilidade experienciado por séculos por mais da metade da população brasileira, que há apenas poucos anos experimentam alternativas de acesso.

Ao pensarmos o futuro do trabalho, e um hipotético domínio da IA, pessoas beneficiadas pelo ambiente pantanoso do preconceito, passariam a ser favoráveis a “cotas” para seres humanos?

<strong>Patrick Schneider</strong>
Patrick Schneider

Gestor de Recursos Humanos LATAM com 20 anos de atuação em companhias globais, autor e pesquisador na área de futuro do trabalho.

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