Patrick Schneider apresenta dois neologismos que propõem novas formas de viver e trabalhar em tempos de transformação digital e subjetiva
O trabalho é, historicamente, um elemento vital de troca de tempo por sustento. Nem sempre no sentido financeiro: há também o trabalho voluntário, sem fins lucrativos, voltado a causas sociais, culturais ou reparatórias
Mas pensar o trabalho em 2025 exige novas lentes. Vivemos a aceleração do binômio desejo/realização, especialmente entre aqueles que atravessaram o impacto pandêmico da década.
Entre as muitas dimensões que cercam o futuro do trabalho, a “função” da atividade laboral é uma das que mais me fascina. É nela que reside o potencial transformador da chamada “revolução”.
É nesse campo que se insere o batido — mas ainda complexo — conceito de propósito. Também ali estão as discussões sobre diversidade, equidade, inclusão e o reconhecimento da força de trabalho como agente ativo.
Tenho me dedicado a investigar modos de vida sustentados por experiências que garantem subsistência, sem que essa seja o objetivo explícito da atividade. Trata-se de um fenômeno contemporâneo, ainda pouco explorado, que rompe com a lógica da indústria da influência.
Embora essa indústria se configure digitalmente pelas redes sociais, começa a ser superada pela ascensão de aplicações de inteligência artificial, que vêm permitindo que avatares hiper-realistas assumam funções antes reservadas aos humanos. São manifestações que emulam a presença humana de forma mais concreta do que robôs bípedes interativos.
Voltando ao ponto: não pretendo reduzir essa análise à construção de rotinas em que trabalho e lazer se confundem. Refiro-me a movimentos fluidos, presentes no cotidiano de milhares de pessoas, que compartilham viagens, ideias, receitas, conhecimento e uma gama quase infinita de possibilidades de realização.
Nesse contexto, venho desenvolvendo o conceito de viverícia: uma capacidade de unir o viver a experiências que conectam pessoas e garantem subsistência dentro da lógica do capitalismo de vigilância. Essa reflexão é amplificada pelas ideias de Shoshana Zuboff, que define nossa era como a de maior capacidade transformacional já vivida política e economicamente desde a domesticação do solo para fins laborais
Gosto de lembrar as palavras de José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, que em entrevista à Deutsche Welle afirmou que a natureza humana não é o trabalho. A realização, segundo ele, nasce da capacidade de desafiar o mundo e provocar transformações que impactam positivamente não apenas o ambiente construído, mas também a própria existência terrena. Nas palavras de Pepe, para ocupar um espaço protagonista nessa marcha evolutiva tecnológica, é preciso investir no desenvolvimento humano e no letramento para o uso dos avanços digitais, sem abrir mão da emoção, da arte e do lúdico.
Johan Huizinga, em seu livro Homo Ludens, também aponta o lazer como elemento central na construção de comunidades e na manutenção das sociabilidades.
Aparentemente, é isso que espíritos jovens de todas as idades vêm encontrando nas redes sociais — seja em plataformas algorítmicas como Instagram, YouTube e TikTok, ou em espaços de comunidade como Telegram e OnlyFans, onde a monetização ocorre por afinidade temática.
A esse movimento, em que o lazer se torna central na atividade laboral, chamo de ludoviverícia. Ludus, do latim, significa brincadeira ou jogo. Viverícia — termo que defini em minhas pesquisas — designa um modo de viver em que o trabalho se aproxima da experimentação, transformando-se em espaço de criação prazerosa.
A ludoviverícia dissolve a fronteira entre esforço produtivo e vivência lúdica, convertendo o ato de produzir em descoberta. Tudo se mistura no mesmo ambiente, compondo um fluxo contínuo.
Na esteira desse pensamento, vemos o crescimento acelerado da carreira de turistas profissionais: pessoas que exploram culturas de forma nômade, registrando suas jornadas e, muitas vezes, sustentando financeiramente suas expedições.
Ainda que pouco reconhecida como trabalho, a ludoviverícia se expande em uma sociedade pautada pelo consumo, onde nem todos podem viajar como os influenciadores mostram, mas muitos absorvem parte da cultura apresentada por meio do conteúdo digital. Durante décadas, esse papel foi monopolizado por programas como o Fantástico, que hoje encontra concorrência pulverizada em bolhas digitais com milhões de seguidores.
Outro modelo possível é o da pluriviverícia. Seguindo premissas semelhantes, o termo deriva de pluri (múltiplo, também do latim) e viverícia, apontando para uma prática de vida em que o indivíduo atravessa múltiplas formas de existência, combinando trabalho e lazer de forma fluida, multiplataforma e multiexpressiva
A pluriviverícia representa a diversidade de papéis que uma pessoa pode assumir simultaneamente: profissional, viajante, aprendiz, criador de experiências, comunicador, artista, professor, entre outros. Muitos desses criadores começam no digital e acabam contratados por veículos tradicionais como jornais, TV e rádio.
Não surpreende que os nativos digitais se encantem com essas possibilidades, em contraste com as vivências de gerações anteriores, que muitas vezes expressam frustração com suas trajetórias profissionais.
Esse movimento também circula sob a bandeira do anti-CLT, com rápida adesão, embora por vezes negligencie a importância da colheita de experiências que podem, somadas, erguer impérios — como Cazé TV, Destemperados, videocasts como Flow no Brasil, ou o modelo de John Hogan nos EUA.
O que une esses produtos? A experiência dos realizadores em campos específicos, aliada a habilidades de comunicação, storytelling e produção atrativa, que atraem patrocinadores e sustentam seus projetos com cifras expressivas.
O profissional contemporâneo pensa em possibilidades plurais, seja ao encerrar um ciclo executivo, seja ao buscar uma rotina mais leve e significativa. Por isso, é importante pensar a pluriviverícia como algo que transcende as barreiras digitais.
Eu mesmo trilhei esse caminho: executivo de RH, pesquisador acadêmico, escritor e ensaísta, músico, professor universitário e palestrante. Cada papel soma-se aos demais, ampliando a latitude do conhecimento capturado.
A carreira não deve ser uma jornada que se resolve em si mesma, mas um conjunto de elementos que se somam e se expandem.
Embora semelhantes, os conceitos de ludoviverícia e pluriviverícia têm camadas distintas, que podem se sobrepor ou seguir caminhos independentes, com impactos similares na vida dos profissionais que os vivenciam.
- Ludoviverícia: a tonalidade mais leve, lúdica e prazerosa do fenômeno laboral disruptivo.
- Pluriviverícia: a multiplicidade de modos de viver-trabalhar, sejam eles tradicionais, mistos ou disruptivos, digitais ou não.
Vivemos tempos de transformação extraordinários, em que o trabalho se reveste de liberdade e alternativas infindáveis para nos expressarmos e alcançarmos pessoas. Que você esteja aproveitando essa oportunidade em sua máxima potência.