Por que estamos sempre nos defendendo?

Neste artigo, Robson Gonçalves mostra como nossas defesas inconscientes podem comprometer relações e decisões no trabalho

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Nossos ambientes de trabalho, muitas vezes, parecem uma verdadeira arena de conflitos. Na superfície, as palavras de ordem são compliance, ética, valores. Mas, afinal, o que se passa para além desse véu, lá nas camadas mais obscuras da mente que chamamos de inconsciente?

Desde Freud, sabemos que, quando pressionado, nosso Eu (ou Ego) se defende. E entender os processos por meio dos quais isso acontece é de grande valia para qualquer profissional. 

Esses “mecanismos” de defesa do Ego são operações mentais inconscientes. No que nos interessa aqui, isso se expressa em comportamentos e opiniões que adotamos meio sem perceber, tentando conciliar impulsos (ou pulsões) e exigências do meio em que estamos. Enquanto as pulsões operam segundo o princípio do prazer, elementos como compliance, ética e valores corporativos nos impõem o princípio da realidade. E, segundo Freud, essa “castração” nos causa mal-estar. Como imaginar que isso não gera reações defensivas? 

Um exemplo clássico é a negação. Já vimos muitas vezes aquele tipo de profissional – por vezes, líderes – que se recusa a admitir que cometeu um erro, culpando fatores externos ou colegas para preservar sua autoimagem. 

Já a racionalização ocorre quando se criam justificativas lógicas, mas falsas, para comportamentos inadequados ou ineficazes. Um colaborador que não alcança uma meta pode argumentar que o objetivo era impossível, por exemplo. 

Por fim, na formação reativa, alguém que sente inveja do sucesso de um colega pode, paradoxalmente, elogiá-lo de forma exagerada. Isso também ocorre quando nos apaixonamos por um(a) colega, mas a empresa não aceita esse tipo de relação e, estranhamente, a pessoa passa a causar irritação. Puro conflito entre o princípio do prazer (paixão) e o princípio da realidade (compliance).

Esses mecanismos inconscientes podem prejudicar as relações interpessoais e o desenvolvimento profissional, pois dificultam a autocrítica e o aprendizado. Mas, então, como lidar com eles? 

Talvez a Neurociência possa ajudar. E o ponto de partida é: as áreas de processamento cognitivo de nosso cérebro não lidam bem com a incoerência. E, por estranho que pareça, muitas vezes, nosso cérebro prefere até mesmo a coerência à verdade. Por isso, áreas específicas do córtex pré-frontal por vezes recriam acontecimentos de modo a fazer com que “tudo faça sentido”, até mesmo quando se trata de avaliar as próprias atitudes.

Sabe-se que a amígdala cerebral é uma estrutura fundamental para o processamento do medo e das emoções. Quando uma situação de trabalho é percebida como uma ameaça, a amígdala é ativada, desencadeando um padrão de resposta do tipo “luta ou fuga”.

Nesse estado de alerta, a comunicação com o córtex pré-frontal, responsável pelo raciocínio lógico, planejamento e tomada de decisões, pode ser comprometida. Isso explica por que, sob pressão, as pessoas tendem a ter reações mais impulsivas e menos racionais, por vezes gerando arrependimento tempos depois. 

A racionalização, por exemplo, pode ser vista como o resultado de uma tentativa do córtex pré-frontal de criar uma narrativa coerente para uma reação emocional disparada pela amígdala. O cérebro busca reduzir a dissonância cognitiva, ou seja, a tensão da incoerência entre valores e crenças, de um lado, e atitudes, de outro.

A Neuropsicanálise enfatiza que o cérebro humano busca sempre evitar a dor, incluindo a dor psicológica associada à autocrítica e ao fracasso. O sistema de recompensa, mediado pela dopamina, também pode reforçar comportamentos defensivos, pois a sensação de alívio temporário ao evitar uma crítica ou responsabilidade funciona como uma recompensa.

Mas ainda não chegamos lá. Afinal, como lidar com tudo isso?

Se nossos mecanismos de defesa trabalham no sentido de transformar nossas tensões em algo suportável a ponto de nos iludir, o mesmo nem sempre acontece com alguém que nos vê de fora. Tanto um psicanalista quanto um amigo muito sincero podem nos dar o “banho de água fria” de que precisamos. Quando dizemos “É incrível como ele(a) me irrita” e essa pessoa, responde: “Amor e ódio sempre andam juntos”, talvez seja difícil negar que estamos adotando a formação reativa. O mesmo vale para quando dizemos “Foi tudo culpa do outro” e esse “Grilo Falante” diz apenas “Claro que não foi…”. 

A sinceridade mais objetiva vinda de alguém com o lugar de fala adequado é a grande arma contra os mecanismos de defesa. Mas você já concedeu esse poder a alguém assim? Você tem um “Grilo Falante” de plantão? Pense nisso.

Foto de Robson Gonçalves

Robson Gonçalves

Economista comportamental e neuropsicanalista, coordena os cursos de Neurobusiness da Fundação Getulio Vargas. Na Think Work, escreve sobre neurociência, liderança e relações humanas nas organizações.

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