Corporações tradicionais ainda exigem certificados que atestam uma parte pequena do conhecimento. Mas nas empresas inovadoras isso já não é critério para evolução de carreira, escreve José Renato Domingues em seu novo artigo para a Think Work
Depois de 18 meses recluso em função da pandemia, finalmente voltei a viajar. Participei de um evento presencial em Chicago, nos Estados Unidos, onde tive a oportunidade de visitar startups, viver o calor e ver o valor da colaboração nos hubs de inovação. Foram dias intensos, cheios de conteúdo e experiências. Porém, o que mais me encheu de alegria foi conhecer pessoas, conectar com empreendedores, investidores e influenciadores do mundo digital. Estabelecer esses contatos de perto, olho no olho (acima da máscara), é melhor do que através de telas. Ao final de cada dia, em vez de cansado, me sentia energizado. Essa é uma nova forma de ver o desenvolvimento.
Conrado Schlochauer menciona em seu livro Lifelong Learners que aprendemos de muitas maneiras: por meio de livros, aulas, vivências, com professores (aprendizado vertical) ou colegas e amigos (horizontal). Registramos no currículo os aprendizados formais (e oficiais, com diploma), mas deixamos de lado o conhecimento informal, aquilo que desenvolvemos informalmente, no decorrer da vida. Por exemplo, tenho 131 aplicativos no meu celular e sou usuário frequente deles. Pode pausar a leitura aqui para contar quantos apps você tem. Ninguém nos deu um diploma certificando que sabemos operá-los. No entanto, conhecer os apps melhora nossa produtividade no trabalho e na vida.
As corporações tradicionais ainda exigem certificados e diplomas que atestam uma parte pequena do que somos capazes. Contudo, nas empresas mais inovadoras e ágeis isso já não é critério para evolução de carreira. Os líderes dessas corporações conhecem as habilidades informais de seus times. Se envolvem, trabalham junto, observam e aprendem com as pessoas, percebendo, assim, as competências extracurriculares que as diferenciam. A prática é reconhecida e valorizada pelos funcionários, gerando orgulho de pertencer e retenção a longo prazo.
Como um CHRO pode “capturar” essas informações de conhecimento informal que os líderes têm de suas equipes?
Alguns têm usado sistemas para registros diários – o que é bacana e moderno. Mas a melhor forma de levantar esse conhecimento informal é promover a troca de informações entre os líderes sobre suas equipes; gerar conversas entre eles e ser o curador, facilitando essas reuniões de modo a dar aos gestores uma visão geral sobre os talentos das pessoas.
Além de compartilhar o que sabem sobre os profissionais, os líderes recarregam suas próprias baterias sociais. Essa possibilidade de troca de ideias entre consumidores e funcionários, de aprender uns com os outros, é um dos motivos pelos quais a Apple mantém tantas lojas bonitas ao redor do mundo.
A energia social do aprendizado é poderosa.
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Na minha viagem, me surpreendi com o quanto precisei aprender para viajar em uma época diferente. Conheci um app chamado VeriFly – mais um – que registra os documentos e certificados de saúde exigidos pelas companhias aéreas, hotéis e restaurantes. Descobri quais máscaras são confortáveis e seguras para longos períodos de uso, e aprendi a escolher onde e quando me alimentar de modo a reduzir os riscos de exposição à covid-19.
No evento, notei como os fundadores de startups mudaram a forma de apresentar seus negócios. Com brilho nos olhos, adotaram uma postura não-verbal de muita energia e alegria ao falar de suas empresas e seus impactos. Os melhores momentos eram quando falavam da equipe ou abriam espaço para que os integrantes falassem.
Na sua empresa, o que você tem observado? Os líderes têm deixado de lado o conteúdo técnico para falar de suas equipes? Os gestores demonstram entusiasmo ou frustração quando se comunicam? Eles sabem quem são seus liderados e conhecem o que emociona, impacta e energiza cada um que trabalha com eles?
Se você está preparando a volta ao trabalho presencial ou híbrido, não deixe de considerar essas perguntas nem esqueça do conhecimento informal. Desenhe um ambiente para que as pessoas sejam capazes de expressar suas ideias de novas formas. Estimule os líderes a serem diferentes do que eram. Influencie para que o trabalho colaborativo seja mais valorizado no ambiente presencial. Capacite os funcionários para usarem melhor o tempo quando estiverem presentes – e deixarem as tarefas mecânicas e processuais para o remoto. Use seu time de RH como exemplo.
Eu busco nas startups soluções inovadoras para a organização. Agora, também estou vendo-as como inspiração para novos modelos de gestão, valorizando mais as pessoas e a cooperação do que o mundo corporativo tradicional. Os jovens empreendedores sabem carregar a energia social da equipe e usam a técnica para dar longevidade aos negócios. Com isso, estão ganhando a batalha pelos melhores talentos, atraindo quem quer ser valorizado.
Se você está em uma grande (e tradicional) companhia, pode ter certeza de que não tem mais acesso aos melhores profissionais. Se você está numa empresa da nova economia, seu desafio é manter o ambiente de trabalho estimulante. Em ambos os casos, você precisa se mexer, sair da zona de conforto e inovar como gestor de pessoas.
Vai precisar de tempo livre para isso. Posso atestar, depois desses dias fora, que meu desempenho melhorou com a energia vinda de conhecer gente inspiradora.
Excelente! A energia social do aprendizado é poderosa.
Como sempre, José Renato muito cirúrgico em suas colocações.
Hoje debatia com amigos em uma agradável mesa de um restaurante no Rio de Janeiro, algo parecido.
Por que não poderíamos adotar uma postura mais aberta para a capacitação profissional e social no Brasil?!
Explico: Na Austrália, caso uma pessoa não possua um diploma de faculdade, porém possua uma experiência comprovada por mais de 5 anos num setor gerencial ou diretoria, ela está apta a fazer um mestrado, mesmo sem um diploma universitário.
Por que? Entre inúmeras razões talvez essa pessoa traga mais conteúdo para uma sala de aula que alguém que obteve sua graduação há um ou dois anos.
Há o fato também que abre-se um espaço para a capacitação de alguém sem uma certificação formal (obtê-la se assim quiser) onde a teoria/literatura encontram a experiência com a troca e discussões mais ricas, a possibilidade de ganho financeiro maior e claro, a instituição de ensino gera empregos e recebe seu ganho financeiro também ministrando as aulas.
Mas ao meu ver o maior ganho é o social. Uma vez que (pós) qualificado, a pessoa em questão “gradua” a sociedade como um todo, pois haverá o acesso a novos produtos e serviços com aumento salarial, se sentirá mais capacitada/instruída e com sua auto estima revigorada, portanto todos ao redor crescerão ou se inspirarão em seu exemplo e conquistas.
Será que as universidades do nosso país estão tão adaptas e acomodadas ao ponto de esquecerem seu papel de questionar, debater e investigar a fundo as consequências do Status Quo acadêmico profissional?!
Ótimo, artigo provocativo, José Renato!!
Muito boa observação! Me fez recordar uma época em que eu liderava um programa de social learning na Gerdau. Um braço de gestão do conhecimento mas com este olhar mais nas relações, na transmissão de conhecimento tácito. O que José Renato traz aqui me parece ser um outro nível, onde se compartilha não apenas o conhecimento técnico ou práticas, mas habilidades humanas… o ser humano é um ser social e certamente nos energizamos na presença dos outros.
Penso que a razão pela qual startups têm obtido sucesso na atração de talentos está bastante ligado com seu modelo de gestão e cultura organizacional, elementos que podem ser replicados em empresas maiores, mas com mudanças mais radicais, distribuindo poder , dando autonomia, confiando genuinamente nas pessoas, criando um espaço onde se sintam seguras para falar o que pensam, valorizando e reconhecendo a colaboração (e não a competição), entre outros. Este ambiente favorece um convívio sadio que naturalmente conduz à estas trocas sociais. Seria difícil provocar semelhante resultado apenas desenvolvendo uma nova habilidade nos gestores. Seria como querer que uma bela flor floresça plantada no sal. É preciso um terreno fértil antes.
Ótimas reflexões Ze. Obrigado
A sistematização/ estruturação formal do aprendizado, a necessidade de certificado das capacidades para desempenhar o trabalho é um entrave a inovação, ao desafiar limites e adiar horizontes na empresa.
Porém pior é que é esta abordagemque e predomina nas escolas. A descoberta, o aprendizado informal, a curiosidade, a exploração livre do conhecimento via após são tolhidos, tornando o processo educacional engessado, preocupado na manutenção de conceitos e ideias.