“O profissional de RH deve ser um conector que constrói pontes entre gerações, rejeitando preconceitos baseados em arquétipos ultrapassados”, afirma Patrick Schneider
A complexidade da linguística é algo que me encanta. Desde os tempos escolares, a infinidade de possibilidades contida em uma palavra decomposta ainda me instiga a olhar com lupa muitas expressões. É como a pareidolia, que se revela nos olhos curiosos de garotos que tentam decifrar imagens no céu. Tomemos, por exemplo, aguardar — não apenas um simples verbo, mas um universo: água que circula e guarda ar, para quem espera algo.
Dentro dessa complexidade, a palavra geração, no português do Brasil, carrega ao menos 14 definições, aplicadas de maneiras distintas ao discurso. No contexto da gestão de pessoas, acredito que três delas se destacam e permeiam o debate global, sendo especialmente relevantes em nosso país.
Geração (sf), segundo o Michaelis
- Grupo de pessoas que nasceram pela mesma época;
- O espaço de tempo, calculado em aproximadamente 25 anos, que separa cada um dos graus de uma filiação;
- Fase representativa de uma mudança de comportamento humano;
O olhar que as novas gerações aplicam à vida é alvo de críticas daquelas que a antecederam, talvez, desde que o mundo é mundo. Ao longo da história, esse olhar se voltou para o comportamento, a cultura, a moda — enquanto manifestação cultural — além da ideologia e do posicionamento político. Curiosamente, poucas vezes a atuação profissional foi colocada em xeque.
Por mais discreto que tenha sido no início, esse caldeirão começou a ferver no final dos anos de 1990, mas eclodiu de fato a partir do bug do milênio. O encontro, que se desenrolou nas arenas empresariais globais, reuniu os nascidos antes de 1981, com sua forma tradicional de encarar a carreira, e os nascidos depois, trazendo uma nova maneira de interagir com o trabalho. Seth Godin explora essa transformação no livro Tribos, assim como Jeremy Heimans e Henry Timms, no impactante New Power: How anyone can persuade, mobilize, and succeed in our chaotic, connected age (ainda sem tradução no Brasil).
Nascido em 1982, lembro de ter sido taxado categoricamente por especialistas da época como um perfil profissional naturalmente alinhado aos boomers, sob a justificativa de que “tinha sido criado pelos avós para que os pais trabalhassem fora”. Mal sabiam esses especialistas que, na realidade, meus avós ainda estavam plenamente ativos em suas carreiras, no auge de seus recém-chegados sessenta anos.
A falta de aderência entre minha experiência e o discurso vigente dificilmente encontrava eco na época, sendo, até certo ponto, um padrão imposto. Talvez por isso, nunca me identifiquei plenamente com a prática de trabalhar com recortes temporais e arquétipos dentro do RH.
Minha lente apontou caminhos para integração, cocriação e colaboração entre diferentes perspectivas. Facilitar a interação entre recém-chegados ao mercado e profissionais experientes, tendo como ponte metodologias como Design Thinking, Six Thinking Hats e ‘Yes, and…’, foi uma obsessão, que trouxe ótimos resultados.
Lamento que essa discussão ainda ocorra de forma massiva, presa a bolhas de percepção singulares e distante da pluralidade de uma sociedade continental como o Brasil. Um bom exemplo disso é a COP 30 e o debate sobre sustentabilidade.
Há quem defenda que as gerações Z, Alpha, Beta, os chamados Nativos Digitais, exigem novos comportamentos das marcas. No entanto, ao analisarmos os dados sobre sustentabilidade, percebemos um cenário diferente.
As projeções indicam que mais de 200 mil pessoas devem participar da COP 30, em Belém do Pará. Esse público abrange todas as faixas etárias, unidas pelo desejo de discutir o futuro do planeta. Não há uma geração específica dominando os congressos e painéis. Inclusive, espera-se a participação de uma delegação de ambientalistas da década de 1970, que seguem atuantes nas causas climáticas.
Conforme o livro New Power, os jovens geram e disseminam conteúdo intenso nas redes sociais sobre o tema. Contudo, líderes das ‘novas gerações’ que promovam movimentos concretos são raros, com exceção de figuras como Greta Thunberg, referência nas discussões ambientais. Talvez isso se manifeste até na extinção dos diretórios acadêmicos nas universidades.
Separar as pessoas com base em recortes temporais e em teses pouco fundamentadas antropologicamente é como trilhar uma estrada que conduz ao abismo — um alerta proclamado pelos céticos do futuro do RH. Por sua vez, a aurora dos novos tempos nos convida a enxergar, com profundo entusiasmo, as possibilidades de promover uma longevidade ativa assim como harmoniosa, diante de um sistema previdenciário pré-falimentar.
Pouco se discute o valor das pessoas com mais de 60 anos, embora os exemplos comprovem o contrário. Jards Macalé e João Donato, com quase 80 e 90 anos, lançaram Síntese do Lance com uma energia surpreendente; Fernanda Montenegro, com mais de 90, brilhou na obra que rendeu o primeiro Oscar ao Brasil; Chico Buarque, aos 80, se reinventou em turnê ao lado de Mônica Salmaso; e ícones como Milton Nascimento (80), Caetano (82), Bethânia (78), bem como Gil (82) lotam estádios e emocionam milhares. Por que, então, ainda relutamos em valorizar os profissionais da chamada economia platinada no ambiente de trabalho?
Por que não investir em programas de aceleração de skills para quem ingressa no mercado formal, independentemente de pertencer à “nova geração”? Essa proposta abraça não apenas representantes dos nascidos após a virada do século, mas também pessoas trans, refugiados ou aqueles que passaram boa parte de sua vida laboral na informalidade.
Em vez de segregar, deveríamos adotar o espírito do gênio russo Igor Stravinsky, que fugiu de bombas, morteiros, caças e destroços, atravessava campos de batalhas, fazendas e rios. Ao parar em um povoado poupado dos horrores da Primeira Guerra, perguntava: “Você tem músicos na cidade?”. Com a resposta afirmativa, inventariava os poucos instrumentos à disposição — às vezes apenas uma caixa, uma tuba, um violino ou um acordeom — e, a partir dessa heterogeneidade, compunha e orquestrava algo indescritível como a fascinante História do Soldado, do início do século 20.
Em recente passagem pelo Brasil, Jonathan Haidt, convidado do Fronteiras do Pensamento, afirmou que precisamos intencionalmente de um movimento mundial em busca da valorização do ser humano.
O profissional de RH deve ser um conector que constrói pontes entre gerações, rejeitando preconceitos baseados em arquétipos ultrapassados. Isto é, valorizar cada trabalhador como ser humano é a melhor estratégia para enfrentar os desafios impostos pela evolução da IA.
Esta é a marcha deste soldado, militante da área de Gestão de Pessoas.